Marlene Xavier Nobre nasceu em Florianópolis /SC, em
agosto de 1953. Diz que escrever é seu maior vício. É autora de A meus queridos
netos – cartas, Postmix,2017; Lembranças e esperanças de uma Mulher, insular,
2020.
Texto selecionado para reflexão no curso de leitura
do CIC Leitores & escritores: interações, em 27/04/2021: O silêncio da
nossa casa. Marlene Xavier Nobre, Lembranças e esperanças de uma Mulher, Insular,
2020.
Era
1964, tinha onze anos de idade.
Guardo
na memória a triste lembrança de meu pai. Subiu o morro com os cabelos
revirados e os olhos arregalados. Foi amparado por minha mãe.
De
imediato, não entendi a gravidade do que vivíamos. Soube depois que meu pai
fazia parte de um movimento político.
Foi
numa segunda-feira. Meu pai estava no trabalho, em sua função de gráfico. A
polícia militar fez um arrastão pela cidade à procura do grupo a que meu pai
pertencia.
Ele
não havia matado e nem roubado. Como cidadão, ele lutava pelos seus direitos.
Prenderam todos os seus amigos.
Meses
depois, meu pai ficou sabendo que seus companheiros haviam sido levados para a
Ilha das Cobras (RJ), onde foram torturados e mortos.
Meu
pai ficou dois meses preso no quarto de nossa casa. Lembro-me de que na casa de
madeira na qual morávamos tinha frestas. Minha mãe, minhas irmãs e eu colocamos
jornais para tapá-las.
Fui
escolhida para ir, diariamente, comprar jornais na banca que ficava na Avenida
Mauro Ramos, à altura do número 982. Antes que saísse de casa, meu pai
recomendava que se alguém perguntasse por ele, que não respondesse. Poderia
falar apenas com o dono da banca, mas em tom bem baixo, e dar notícias dele.
Todas
as noites ele ouvia, no rádio, as notícias sobre o país.
Foi
uma época muito tensa. Minha vida e dos irmãos ficou muito restrita. Só
podíamos brincar no quintal, mas não podíamos dizer uma palavra. O silêncio
imperava. Só saíamos para ir à escola.
Quando
passavam aviões da FAB, meu pai ficava em pânico.
Meu
pai era algoz de si mesmo. Não via o sol e nem a luz do dia. Ficou de barba e
cabelo por fazer. Estava bem abatido.
Minha
pobre mãe nada podia fazer além de cuidar e de se dedicar a ele, naquele
momento difícil.
Sinto
que ele foi forte para resistir psicologicamente e conseguir sobreviver. Sempre
dizia para minha mãe que sua luta era em benefício de seus netos.
Os
netos de meu pai cursaram a universidade. Isso foi uma grande abertura para a
nossa família e para muitas outras de origens semelhantes à nossa.
Os
bisnetos de meu pai experimentam hoje o retrocesso histórico relativo ao
cerceamento de liberdades.
O
bisavô deles, como eterno militante, deve estar novamente sofrendo por isso, no
Além.
Em
2019, participou da Coletânea de poesias do Instituto de Memórias (PR).
Em
2020, participou da Antologia poética Vivara poesia livre, Ed nacional, 2020 -
Série novos Poetas Nº35. Organização: Issac Almeida Ramos. Paraíba: Vivara
Editora Nacional, 2020, p. 385 - 386.
De
Corpo e Alma
Hoje
pela manhã, resolvi dar uma caminhada
Entrei
numa academia
Fiquei
observando cada jovem que ali estava
(lá
fora muita chuva!)
Na
esteira, refletia e via: lindos corpos
Sarados,
bem malhados, alguns definidos
Rostos
bonitos, sorrisos abertos
Perguntei-me:
“Será que eles sabem orar?”
Pois
corpo e alma caminham juntos...
E
sem hesitar, logo pensei:
– O
corpo precisa de pão, a alma de oração
Aí
sentei num lugar sem ninguém me notar.
Nesse
instante começava uma briga interna comigo
Será
que eles estão certos em se exceder com tanta malhação?
Mesmo
sabendo que tudo tem uma razão estão cuidando do bem mais precioso: a saúde.
Ainda
fiquei a me questionar será preciso tanto esforço pendurado nestes ferros e com
tantos pesos
Ou
precisamos mesmo de mais orações?
Para
enfrentar o suor no rosto com tanto cansaço do trabalho.
O
corpo precisa ser cuidado, é perecível,
Frágil
um dia acaba, a alma é eterna
Ou
será precisamos contrabalançar
Os
nossos desejos desenfreados? (que são tantos!)
E
quando caímos de boca nas tentações, nas comilanças,
pois
ela é a porta de entrada e saída. Há essa boca nervosa
Não
espera.
Precisamos
traçar metas e certas
Mas
tudo em exagero, não combina
E a
vaidade onde fica? Ou não fica?!
Precisamos
mesmo é saber a dosagem, discernir o que queremos para a nossa vida,
pois
cada um tem a sua e é responsável pelos seus atos imprudentes
Mas
o fato é que possamos nos enxergar no espelho que reflete a alma
Precisamos
ser mais persistentes seja onde for ou com quem for
(nem
que seja só).
Cuidar
melhor da saúde e da atitude
Que
é mais importante.
Cuidar
da nossa alimentação sem passar do ponto
(temos
estômago)
O
mais importante é não esquecer de fazer orações
(nem
que seja a noite)...
Pois
corpo e alma caminham juntos.
Participou
da coletânea de Poesia da Apparere, 2021 com o texto Cânticos d´alma
CÂNTICOS D´ALMA
I Alma
Alma que grita, que fala, que reza. Alma medita, erra.
Alma endividada, alma demoníaca, alma possuída, alma tentadora.
Dúvida na noite escura
No dia se perde na sombra do corpo.
Alma que jura, alma perseguida
Alma querida, alma maldita
Alma medita, alma jura
Alma: a mentira desmedida
Alma menina, alma feminina
Alma florida, és a pureza infinita
És a Estrela que ilumina
Tua caminhada é árdua
És a entrega de quem não enxerga
Alma, tua aura é perfeita
És a cegueira pra quem não te suporta. Alma és a raiva és a irá alma não
és
santa.
Alma és tudo aquilo para quem te suporta
Alma também ama, alma tem chama, alma também se engana.
Alma és boa, és imperfeita
Alma és pecadora aqui nesta terra...
Alma não te enganas, aqui tudo passa, na noite gelada
Na despedida, de qualquer calçada.
II Tua Alma
Pra que invejar?
Um simples olhar teu me faz brilhar.
Não queira me entender, não consigo mudar.
Quero espalhar o que tenho de melhor: sei amar.
Passeio meu olhar pela areia,
Pelas plantas. Meu pensamento viaja, corta o ar.
Posso te esperar em cada partida.
Não posso ir. Em mim não existe um outro lugar
Quero sorrir igual criança sem parar.
Tudo o que me reste que seja amar.
Me perdi no teu olhar.
Num lugar ao sol, quero me sentir.
Impossível ir
Não consigo enxergar para qual lugar.
III Cântico em “o”
Foco em tudo que quero:
— Num amor eterno
Nem sempre vejo um olhar singelo.
Os dias estão obscuros! É um flagelo.
Olho pro telhado, me dá um vazio
Careço de colo.
Volto ao passado, me sinto desmotivado e chateado,
Como se fosse um pesadelo
Há muito exagero, nesse mundo ilusório
Um vazio um oco, um toco, um louco.
O vazio que dorme ao meu lado só eu sinto,
Há cheiro do absinto, neste quarto, neste recinto.
Mesmo assim me sinto
Neste porto, seguro.
IV Cântico em "a"
Quando escrevo poesia
Sinto uma paz me tomar por inteira.
Minha alma flutua como pluma
Minha alma sorri de alegria
A vida não é bagatela, tenha cautela e vide bula
desistência é fraqueza humana.
A cor violeta me acalma e ilumina minh' alma
Faz penetrar em verde seiva
V Cântico em "i"
Falam tanto por aí
de tal lei que até agora não entendi
Hei! Acorda guri!
Vi dependurado um abacaxi
Subi e comi.
Com os olhos bebi uma taça de açaí.
Acho que tem cilada aí.
Preciso sair, não suporto mais ficar aqui.
No conto do vigário, falei que sou do FMI
Menti... Me transformei num pariri?
2ª Coletânea de Natal – 1 ed – São Paulo:
PerSe, 2020, p. 118 – 119.
ERA UMA VEZ UM NATAL
Esperávamos o natal na maior euforia
Havia muita união durante a semana dos
preparatórios em que todos eram envolvidos
Enfeitávamos a casa para deixá-la mais
graciosa e festiva
Tudo era simples e feito com amor
No canto da sala uma árvore de bolas e
luzes dava vida ao ambiente, e a criançada se divertia
Aquele momento era muito gratificante,
sentia-me ansiosa e feliz esperando o natal, junto de familiares e amigos
O Menino Jesus era a figura mais
significativa do dia
— Era uma vez um natal!
Hoje tudo mudou, por todos os espaços e
cantos do mundo
Tudo se transformou em dor e luto, em
labirinto...
O mundo perdeu o brilho
Tudo ficou esquisito, enfadonho
Isolados de quem mais amamos, sem
abraços, e sem calor humano, nos sentimos ilhados, amedrontados, olhos
arregalados com todo o ocorrido no ano de dois mil e vinte
Sem ao menos festejar, nem confraternizar
com aqueles a quem mais amamos
Tudo estranho
O natal não será mais o mesmo dos natais
passados e comemorados
Só que não podemos nos esquecer de orar e
nem deixar de agradecer, para o aniversariante mais importante da noite
O menino Jesus de Nazaré
E mesmo que ainda não possamos ver a cor
vermelha se espalhando pelas ruas, avenidas, cidades e no mundo
Mesmo distantes uns dos outros, que
sejamos fraternos, nos unindo no mesmo pensamento
Orando
E rogando com fervor, para que possamos
ter um natal mais leve, sem dor
E mesmo sem cor, que possamos sorrir por
estar aqui
Que sejamos solidários
É tempo de reflexão, oração e doação
— Era uma vez um natal!
Que possamos nos olhar com mais carinho,
pois Jesus está por todos os caminhos
— Era uma vez um natal!
Que sejamos solidários
Não solitários...
Tudo mudou, tudo se transformou
Não podemos deixar de comemorar
Cada momento da vida e de mãos
entrelaçadas possamos rogar por todos pelo mundo, por todos aqueles que
partiram, para outros mundos, outras esferas se tornaram estrelas
O mundo precisa ser amado, respeitado e
cuidado por todos
— Era uma vez um natal!
Que juntos vivemos um dia
E cheios de fantasias, encontros,
sorrisos, abraços e alegrias tudo era uma maravilha, pura magia...
— Era uma vez um natal!
Que não falte perdão, muito mais oração e
corações cheios de amor
É tempo de reflexão, mesmo que não façamos
confraternizações
Que sejamos mais fraternos
De caminho e caminhada
— Era uma vez um natal!
Que ficará marcado no calendário da vida
E de todas as pessoas
— Era uma vez um natal!
Ficará cravado e gravado e guardado e
marcado na história de toda humanidade...
Coletânea
Cotidiano Introspectivo – Centenário de Clarice Lispector – 1. ed – São Paulo:
PerSe, 2020, p. 143 – 146.
MEU MUNDO
Meu íntimo, um mundo escondido submerso em
tudo aquilo que nele recolho (aos olhos do mundo)
Nele
guardo medos: meus grilos
Carrego
nele vestígio, nojo, pecado e desejo
As
caídas me fizeram ser forte, aprendi a enxergar este meu mundo íntimo
A
entender de perto minhas dores, dissabores e amores, a saber olhar a pureza da
criança, o sorriso do cego
A me
enxergar como um indivíduo neste mundo louco, cheio de vícios
Eu
sou a brandura, eu sou uma mistura de tudo o que existe na essência humana
Eu
sou um mundo à parte
Eu
sou a minha melhor parte...
A
luz que invade por onde me faço presente
Mesmo
envolto neste meu mundo, eu existo, sou resistente, sou gente
O
mundo é repleto de tudo, no meu mundo íntimo tento relutar com tudo
Nele
me escondo, ninguém enxerga...
Não
compreende, não entende meus medos e lutos
Nele
sou um solitário, mesmo obscuro me sinto abraçado por meus braços
Vivemos
num mundo de gafanhotos: de vez em quando um abocanha o outro
Mas
cada caminho de espinhos, pode ser transformado em flores
Assim
transformei todas as minhas dores
Neste
meu mundo só eu me encontrei com ele...
Meu
mundo não desabou, pois segurei
No
portão acreditei na madeira
Foi
dela feita uma cruz para o Homem mais forte do mundo
Não
consenti ficar sem meu chão
Mesmo
ninguém tendo piedade e nem compaixão das minhas durezas e má sorte
Recebi
bordoadas, muitas cacetadas e algumas traições, mas não desisti de mim
Pois
acreditei no meu mundo
Encarei
toda a realidade da vida que é árdua
Muitas
vezes dei de cara com a parede da amargura
Nunca
me esqueci das minhas orações
Foram
elas que me ajudaram
A
seguir de cabeça erguida e de frente
Acreditei
que tudo podia
Quando
todos sumiram, acreditei numa nova dimensão
Mesmo
que ninguém me compreenda
Aceito
as diferenças estou sempre apta para novas amizades, boas conversas
Pois,
não fui eu que caí, foram eles que nunca me entenderam e que me atiraram as
pedras que me fortaleceram a enxergar o meu mundo interior
Aprendi
a olhar a pureza e o sorriso do cego, o rosto do amigo, pois um mundo correto
depende de quem não julga
Não
aponta o dedo que insiste e não desiste até nos momentos difíceis
Que
são como testes no nosso caminho
Por
isso, sigo em frente
Sou
forte igual muralha, mas ainda gosto muito de gente
Respeito
As
pedras atiradas no meu caminho se fizeram de espinhos
Tirei-as
de lado, mesmo me machucando
Foi
através delas que me fizeram ser forte e perseverante
Cresci,
aprendi a me conhecer, a me entender, até a saber reconhecer todos os meus
vícios e mazelas
Nunca
aceitei compaixão, nem piedade
Pois,
tudo que vivi tinha que ser desta maneira:
–
Uma missão, quem sabe
E
quando encontrei uma saída me livrei
De
todas as dores
Curei
as feridas
Quando
precisei de ajuda, me levantei
Encontrei
dentro de mim o meu mundo e nem sabia desta força interior que estava escondida
Fui
à busca de um mundo ilusório, lá fora
Que
força divina que me envolvia nesta hora
Me
invadia e não tinha como ser diferente
Ir à
busca de algo que só em mim existia
Uma
força inexplicável
Só
eu posso encontrar o meu mundo e não enxergar como um muro
Foi
nesta busca íntima que me encontrei
Meu
mundo só vai desmoronar se eu deixar de me amar
Aprendi
a refletir, a fazer escolhas
Não
preciso ficar no caminho nem conviver com as pedras (mesmo sendo uma fortaleza)
Mesmo
não sendo fácil, dei a volta
Levantei-me
muitas vezes das caídas
E de
todas as recaídas
Foram
tantas subidas e descidas
Mesmo
sabendo que nada é perfeito
Sobrevivi
das tempestades, pois em mim nunca faltou fé, perseverança, coragem e amor
Acredito
que nunca é tarde para recomeçar: um novo caminho, um projeto de vida, uma nova
direção...
Pois,
horizontes existem e são muitos
Enfrentei
todos os obstáculos possíveis e impossíveis, passei por cima de todos
Muitas
vezes me sentia sem forças, mas acreditei nesta fera que existe em mim, pois só
venci com o bem das dores
Fiz
uma força, uma batalha não de guerra, mas de fé para enfrentar os meus dias e
nem sabia que em mim vertia tanto amor pra dividir
Foi
através do cansaço do esforço do suor do rosto que fui uma vencedora que
cheguei até aqui, pois acreditei e sem esmorecer tive ânimo os espinhos me
fortaleceram me fizeram acreditar até naqueles que me viam pelas costas que a
vida é uma grande escola um aprendizado hoje virei todas as páginas
Que
me incomodaram
Aprendi
com cada episódio que somos mais fortes do que imaginamos
Que
sou uma vencedora esta é melhor que qualquer vitória e que ninguém carrega o
peso maior que as suas costas
Que
mesmo neste mundo louco e cheio de injúrias calúnias e invejas
Sou
importante otimista mesmo que num mundo frio cheio de atribulações
A
vida é um presente e que cada dia é tão lindo
Devemos
fazer dele o nosso melhor e como se fosse o último
Tudo
o que plantamos e queremos
Por
isso o meu mundo é tão bonito
É
todo meu mesmo não sendo egoísta
Este
meu mundo íntimo não dou permissão nem vazão para barulhos e nem má intenções
Meu
mundo jamais vai desmoronar
Ė
forte igual um tufão!