quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Roda de Poesia. Antonio Gil Neto

 

Publicações de Antonio Gil Neto

RODA DE POESIA

 Antonio Gil Neto

05/10/2021 

 

. ANTES DA RODA:

 

ENTRAR NA RODA PARA VER COMO SE DANÇA

  


TAREFA-CONVITE AOS PARTICIPANTES:

 

a) Trazer para o encontro:

 

- Poema de sua autoria. Vale outro gênero ou ainda de um autor que admira.

 

b) No encontro:

- Dizer de suas impressões leitoras sobre poemas e/ou textos apresentados.

 

- Ler o poema/texto que trouxe e comentar sobre seu processo de escrita, se for o caso. 

 

  

. AGORA VAI:

Tem tudo a ver

 

A poesia

tem tudo a ver

com tua dor e alegrias,

com as cores, as formas, os cheiros,

os sabores e a música

do mundo.

 

A poesia

tem tudo a ver

com o sorriso da criança,

o diálogo dos namorados,

as lágrimas diante da morte,

os olhos pedindo pão.

 

A poesia

tem tudo a ver

com a plumagem, o vôo,

e o canto dos pássaros,

a veloz acrobacia dos peixes,

as cores todas do arco-íris,

o ritmo dos rios e cachoeiras,

o brilho da lua, do sol e das estrelas,

a explosão em verde, em flores e frutos.

 

A poesia

— é só abrir os olhos e ver —

tem tudo a ver

com tudo.

(Elias José, in: Segredinhos de amor. Moderna)

 

Poema ou poesia?

Qual é a diferença entre poema e poesia?

O poema é um texto “marcado por recursos sonoros e rítmicos. Geralmente o poema permite outras leituras, além da linear”, pois sua organização sugere ao leitor a associação de palavras ou expressões “posicionadas estrategicamente no texto”.

A poesia está presente no poema, assim como em outras obras de arte, “que, como o poema, convidam o leitor/espectador/ouvinte a retornar à obra mais de uma vez, desvendando as pistas que ela apresenta para a interpretação de seus sentidos”.

Norma Goldstein. Versos, sons, ritmos. 14a ed. São Paulo: Ática, 2006.

Então, essa é a diferença. Quando falamos em poema, estamos tratando da obra, do próprio texto. E, quando falamos em poesia, tratamos da arte, da habilidade de tornar algo poético. Uma pintura, uma música, uma cena de filme, um espetáculo de dança, uma obra de arquitetura também podem ser poéticos. Apesar da distinção, há pessoas que afirmam ler “poesias”, como se o termo fosse sinônimo de “poemas”.

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Um Glossário

Aliteração: repetição da mesma consoante ao longo do poema.

Analogia: aproximação de coisas e/ou realidades distintas com o objetivo de realçar as semelhanças entre elas, seja pela sua forma, pela sua função ou por outra característica. Quando comparamos, por exemplo, um jogo de futebol a uma batalha, estamos aproximando-os por aquilo que se parecem: num jogo de futebol, há jogadores que formam um time, coordenados por um treinador, em busca da vitória; numa batalha, há soldados que formam um exército, coordenados por um general, também em busca da vitória. Assim, um jogo de futebol pode ser análogo a uma batalha porque as funções exercidas pelos seus integrantes (jogadores-soldados, time-exército, treinador-general) são parecidas, embora não sejam iguais no todo.

Assonância: repetição da mesma vogal ao longo do poema.

Estrofe: é a voz que fala no poema, algo equivalente ao narrador de um romance ou conto. Tradicionalmente, essa voz se expressa na primeira pessoa do singular (daí o surgimento do termo), mas nada impede que aconteça de outra forma (você certamente lembra de algum poema que não está na primeira pessoa do singular). É sempre importante lembrar que o eu-lírico (a voz do poema) não corresponde ao poeta (o autor ou autora, o indivíduo de carne e osso que escreveu o poema): nada impede, por exemplo, que um poeta que é homem, adulto e brasileiro escreva um poema na voz de uma mulher (eu-lírico feminino) e vice-versa, ou de uma criança (eu-lírico infantil), ou de uma pessoa uruguaia ou sul-africana (eu-lírico estrangeiro).

Figuras de linguagem: são todos aqueles recursos linguísticos, sejam eles sonoros, sintáticos ou semânticos, que geram efeitos de sentido no texto, exigindo do leitor ou leitora algum tipo de interpretação. Também chamadas de figuras de estilo ou figuras de retórica, as figuras de linguagem, em muitos casos, operam justamente a passagem do sentido literal para o sentido figurado (a metáfora, por exemplo) das palavras. Em outros casos, elas podem ajudar a reforçar o sentido expresso pelo texto, ou a dar a entender o seu contrário, ou a chamar a atenção sobre o aspecto material das palavras empregadas. As figuras de linguagem foram classificadas e organizadas em listas exaustivas (comparação, metáfora, metonímia, aliteração, paronomásia, antítese, paradoxo, ironia, etc.), mas o que mais importa para nós, enquanto leitores e professoras, não é saber essa lista de cor, e sim ser capazes de percebê-las nos textos que lemos e trabalhamos./p>

Onomatopeia: figura de linguagem na qual a pronúncia das letras ou da palavra sugere o som do que é nomeado.

Paranomásia: figura de linguagem caracterizada pelo uso de palavras com grafia e sonoridade semelhantes, porém com sentidos distintos (parônimos).

Poesia X poema: esse parzinho de termos, você já deve ter reparado, se presta a muitos usos diferentes. Algumas vezes aparecem como sinônimos (ler um poema = ler uma poesia), outras, não. Nesses casos, o termo poesia é entendido de uma forma mais ampla, ou como o gênero literário que agrupa todas as formas possíveis (poemas) de se manifestar, ou como o fenômeno que nos faz perceber algo (uma paisagem, uma cena, um objeto, uma pessoa) de forma especial, interessante, ou seja, de forma poética. Se pensarmos de acordo com essa última definição, poderíamos dizer que um poema contém poesia, mas, ao mesmo tempo, que a poesia pode estar contida em outras coisas (uma paisagem, uma cena, um objeto, uma pessoa) para além dos poemas, isto é, dependendo da nossa maneira de olhar para elas (lembra quando, em Garota de Ipanema, o eu-lírico diz que “o seu balançado é mais que um poema”? Ele está dizendo não só que vê poesia naquele jeito de andar, mas que tem mais poesia que num poema!).

Essa discussão pode se tornar bem longa, e não vem ao caso querer encerrá-la de forma categórica (e muito menos querer ficar problematizando isso com os nossos alunos e alunas!). Afinal, se já faz bastante tempo que essa confusão existe, quem somos nós para querermos acabar com ela, não é mesmo? Ou, pensando de outro ângulo, talvez essa confusão acabe dizendo sobre a própria natureza da poesia, ou do poema, ou de ambos.

Rima: repetição de sons iguais ou parecidos nos finais de duas ou mais palavras. Normalmente, a rima ocorre no final dos versos, mas pode envolver palavras no meio deles (são as chamadas rimas internas).

Refrão (ou estribilho): são versos ou conjuntos de versos que se repetem ao final de cada estrofe, muito comuns nas canções.

Sentido literal: é o sentido comum, dicionarizado, de uma palavra, também chamado de sentido denotativo.

Sentido figurado: é o sentido de uma palavra quando usada fora de seu contexto comum, literal, gerando sempre alguma necessidade de interpretação, a partir do contexto em que está inserida, também chamado de sentido conotativo. O sentido figurado aparece com frequência na poesia, mas não podemos esquecer que fazemos isso também em situações cotidianas (quando dizemos, por exemplo, que estamos “morrendo” de medo, como forma de realçar a intensidade do medo que estamos sentindo) .

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Sobre poemas e poetas

Anna Helena Altenfelder

Poemas e poetas: estes assuntos trazem muitos questionamentos a todos que se envolvem com o ensino de língua. O que é poesia? O que são poemas? O que são versos? Como ensinar a escrever poemas? Nosso objetivo, com este texto, não é esclarecer definitivamente essas questões, mas criar um espaço para a reflexão sobre elas antes de propor um caminho para o importante e necessário trabalho com poesia em sala de aula.

Olhar os poetas e suas produções com um olhar mais analítico, para além da fruição da beleza da poesia, requer bastante reflexão. Como o tema é polêmico e complexo e vem sendo frequentemente abordado por grandes estudiosos desde a Antiguidade, há vasta produção de respostas. Essas respostas, porém, podem ser muito complicadas para servirem de apoio imediato à construção de um caminho pedagógico para o ensino de poesia e poemas na escola.

Para nos auxiliar no desenho desse caminho, podemos começar dizendo que, atualmente, admite-se uma grande divisão em dois gêneros para toda produção escrita da humanidade, desde os primórdios até hoje: a poesia e a prosa. Esses dois grandes gêneros se subdividem em inúmeros outros. No caso da prosa, podemos citar gêneros literários, como romances, contos e crônicas; gêneros originados do trabalho científico, como os artigos e relatórios; gêneros jornalísticos, como notícias e reportagens, entre infinitos outros gêneros. No caso da poesia, também há uma subdivisão em grandes gêneros, como o gênero épico ou o gênero lírico, entre outros. Todos os gêneros da poesia se expressam em poemas.


Poesia e poemas

Mas qual é a diferença entre as expressões poesia e poema? Será que elas querem dizer a mesma coisa? Segundo o Mini Dicionário Aurélio da Língua Portuguesapoesia é a "Arte de criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam sons, ritmos e significados". No mesmo dicionário, poema é definido como: "Obra, em verso ou não, em que há poesia", ou seja: quando falamos em poema, estamos nos referindo a textos que têm ritmo e sonoridade próprios e contêm poesia; quando falamos de poesia, nos referimos àquilo que torna um texto poético. O que torna um texto poético é o sentido artístico que seu autor consegue imprimir ao que escreve.

Os poemas só ganham existência concreta como elementos de comunicação se houver leitores interessados em ler o que os poetas escrevem. Essa forma de interação entre poeta e leitor indica elementos essenciais da situação em que os poemas são escritos:

- de um lado, estão os poetas, artistas que escrevem com a intenção de emocionar, divertir, convencer e fazer pensar o mundo de um jeito novo, original e único, de modo a encantar ou mesmo chocar os leitores, para aproximá-los do que sentem sobre o mundo, por meio da arte de escrever poesia em poemas;

- do outro lado, estão os leitores, pessoas que desejam, quando leem poemas, sentir e emocionar-se com o que leem mais do que raciocinar logicamente sobre o assunto lido.

É essa situação de comunicação especial própria da arte que dá o "tom" de poesia aos poemas.

Poemas

Para aprofundar a reflexão sobre o assunto e ter apoio suficiente para construir um trabalho eficaz em sala de aula, também é preciso, além de compreender que há diferenças entre poesia e poema, identificar características próprias dos poemas para auxiliar os alunos a compreendê-los. Não é fácil, porém, identificar essas características porque, em primeiro lugar, há muitos gêneros de poemas, cada um com suas particularidades, e , em segundo lugar, porque a poesia é o território da escrita onde há mais liberdade para escrever.

Assim, se tentarmos identificar poemas entre outros textos buscando formas típicas gerais, exemplares, que sirvam para classificar todos os tipos de poemas, não vamos conseguir grande coisa. Sonetos ou odes, por exemplo, tipos de poemas que existem desde épocas mais antigas, têm quantidade de versos e distribuição desses versos determinadas por regras rígidas, o que leva esses textos a terem formas gráficas bem definidas. Já os poemas contemporâneos costumam ter formas mais soltas, menos determinadas. Além de serem expressos em diferentes organizações e formas gráficas, os poemas também falam sobre diferentes temas: a terra natal, uma história ou, ainda, injustiças e desigualdades sociais. Assim, também não são temas próprios que definem os poemas e os distinguem dos textos em prosa. A existência de rimas, por outro lado, também não é suficiente para transformar um texto em poema.

Como distinguir, então, um poema de outros textos? Uma indicação segura é a sonoridade, o "tom" que eles apresentam. Os poetas, ao escreverem, buscam que o poema tenha uma cadência, como um tambor batendo em intervalos regulares, o que faz com que o leitor perceba o texto poético pelo ouvido. É por isso que tão gostoso quanto ler poemas é ouvi-los sendo declamados. Além de apoiar-se no ritmo, para dar ao que escreve o "tom" de poema, o poeta usa outros recursos: joga com a sonoridade das palavras, busca sons similares rimando as palavras no final dos versos, ou repete sons parecidos ou iguais em várias palavras, fazendo com que elas ecoem ao longo do texto. Muitas vezes o poeta pode ir além e transmitir a impressão que algo lhe causou, criando imagens. Pode usar, também, o recurso da metáfora, dando às palavras um sentido mais rico, como se elas quisessem dizer mais de uma coisa ao mesmo tempo, ou fazer comparações.

Além de ser percebido pelo ouvido, um poema pode ser identificado pelo olhar, pelo modo como o texto é disposto na folha de papel. Alguns poetas dispõem os versos nas páginas de forma tão especial que criam uma imagem concreta, dando ao leitor a ideia do que vai ler, antes mesmo de ler as palavras. Se o poeta escreve sobre girassóis, por exemplo, pode dispor as palavras no texto em forma de girassol, reforçando a imagem que as palavras trazem. Todos esses recursos utilizados na escrita de poemas despertam a compreensão do leitor mais pelos sentimentos e emoções, do que pelo pensamento racional.

Assim, diferentemente do que se pensa usualmente, poema não é só aquilo que rima, tem sílabas contadas, musicalidade ou um esquema definido de composição. Não é só a forma e o ritmo que o definem, mas, principalmente, a maneira como o poeta vê as coisas, como nos revela Fernando Pessoa, na voz de Alberto Caeiro, seu heterônimo:

"Não me importo com as rimas.
Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor."

 

Para comporem seus poemas, os poetas, mesmo aqueles já consagrados, passam muito tempo arrumando o que escreveram, organizando, mexendo com as palavras, experimentando vários jeitos de fugir do lugar-comum, romper clichês e encantar o leitor com sua maneira própria de ver o mundo. Como se vê, não é só de inspiração que são feitos os poemas: ao contrário do que parece à primeira vista, o ofício de poeta exige muito trabalho.

A escrita de poemas pelos alunos também exige trabalho: leitura de muitos poemas, reflexão sobre a situação de produção, atividades para que se apropriem de recursos poéticos e possam utilizá-los com facilidade. Alguma inspiração também é necessária para que os poemas aconteçam, é claro. Mas convém dizer que inspiração só se realiza concretamente quando dominamos os instrumentos necessários para lhe dar vida e que ela se torna mais refinada quando praticamos continuamente o uso desses instrumentos. Assim como um pianista precisa ouvir muita música e saber utilizar seu instrumento, o piano, para compor e tocar, os alunos precisam ler e conhecer muito bem os diversos gêneros poéticos para serem bons autores de poemas.

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O LUGAR DO ESCRITOR...QUE LUGAR É ESSE?

 

Momento

Enquanto eu fiquei alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.

 

“Escrevo à mão, em cadernos, não importa em que lugar da casa. Prefiro o lápis à caneta. E o meu kit poesia. Sempre carrego o caderno, mesmo em viagens, para registrar um episódio, um acontecimento que tenha natureza poético-literária. Sei que é a semente do texto. É meu dever registrar aquilo. É um presente divino que preciso guardar. Pode estar  aí o embrião de um poema, de uma prosa de, de uma novela. Se você tem um dom, a coisa mais agradecida que pode fazer em relação a ele é aceitar, cuidar disso como um operário. Mas quando o livro fica pronto, costumo queimar todos os cadernos de rascunho.”

 

(Adélia Prado, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)

  

TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO

 

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

 

 “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Sá dez por cento é mentira. Não tenho inspiração. Não sei o que é isso e não espero por ela para escrever. Até porque, dizem, ela é preguiçosa, só aparece quando dá na veneta. Eu não. Escrevo religiosamente todo dia das sete ao meio-dia. Me fecho no escritório e não saio de lá para nada. Não atendo telefone, não olho pela janela, não ouço música. Pesquiso muitas palavras que perderam o uso,  sofreram mutações morfológicas ou morreram no tempo. Utilizo este dicionário para que as pessoas pensem que sou um sujeito culto.”

 

(Manoel de Barros, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)

 

APRENDIZAGEM

 

Do mesmo modo
que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor
se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão

que a vida só consome
o que a alimenta.

 

 “Em certas circunstâncias prefiro escrever ã mão. Poesia, em geral, escrevo à mão. Mas há exceções. Há poemas como Poema Sujo, o mais longo que fiz, que escrevi à máquina. Não tinha computador e foram setenta e poucas páginas.

A poesia é intempestiva. É coisa que ninguém controla. Ela me acorda no meio da noite ou leva um ano sem aparecer. É inteiramente aleatória. Me ocupo de vez em quando com outras coisas, porque se fosse me ocupar só de poesia estaria maluco. A poesia não obriga à rotina, pelo contrário, ela quebra, rompe a rotina. A poesia, quando chega de qualquer de seus abismos, não respeita nem pai nem mãe.”

 (Ferreira Gullar, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)

 

O FIM QUE SE APROXIMA


Amazonas: mito grego

menos antigo que os mitos da Amazônia.

 

Os que vivem no Cosmo há milênios

são perseguidos por mãos de ganância,

olhos ávidos: minério, fogo, serragem, fim.

 

Quem são vocês,

incendiários desde sempre,

ferozes construtores de ruínas?

 

Os que queimam, impunes, a morada ancestral,

projetam no céu mapas sombrios:

manchas da floresta calcinada,

cicatrizes de rios que não renascem.

atrás da humanidade amazônica?

 

Que triste pátria delida,

mais armada que amada:

traidora de riquezas e verdades.

 

Quando tudo for deserto,

o mundo ouvirá rugidos de fantasmas.

E todos vão escutar, numa agonia seca, o eco.

 

Não existirão mundos, novos ou velhos,

nem passado ou futuro.

 

No solo de cinzas:

o tempo-espaço vazio.

 

“O verdadeiro lugar onde o escritor se manifesta em mim e no espaço da memória, quase sinônimo de imaginação. Tudo o que escrevi até hoje está ligado às imagens da minha infância e adolescência em Manaus. Essa memória contém tudo o que é necessário ao romancista. E isso que provoca uma aflição, um desejo de escrever. Quem viveu intensamente até os vinte anos, como eu, é só esperar mais um quinze anos para começar a escrever.

Isolamento e concentração. E tudo que preciso.

 

(Milton Hatoum, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)

  

Descobri em cima da chuva um milagre – pensava Joana –, um milagre partido em estrelas grossas, sérias e brilhantes, como um aviso parado: como um farol. O que tentam dizer? Nelas pressinto o segredo, esse brilho é o mistério impassível que ouço fluir dentro de mim, chorar em notas largas, desesperadas e românticas.

( in Perto do coração selvagem)

 

 Descobri em cima da chuva

um milagre, um milagre

partido em estrelas grossas,

sérias e brilhantes,

como um aviso parado:

como um farol.

 

 “Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. E se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria: como é que se escreve? 

Por que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como é que se começa? e que é que se faz com o papel em branco nos defrontando tranquilo? 

Sei que a resposta, por mais que intrigue, é a única: escrevendo. Sou a pessoa que mais se surpreende de escrever. E ainda não me habituei a que me chamem de escritora. Porque, fora das horas em que escrevo, não sei absolutamente escrever. Será que escrever não é um ofício? Não há aprendizagem, então? O que é? Só me considerarei escritora no dia em que eu disser: sei como se escreve.”

( Clarice Lispector, in crônica/1968)

 

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COMO EU ESCREVO?

 

“Minha nascente é obscura... Meu pensamento com a enunciação de palavras mentalmente brotando, este meu pensamento de palavras é precedido por uma instantânea visão sem palavras do pensamento, palavra que se seguirá quase imediatamente, diferença espacial de menos de um milímetro... Eu escrevo por meio de palavras que ocultam outras – as verdadeiras. É que as verdadeiras não podem ser denominadas. Mesmo “que eu não saiba quais são as verdadeiras palavras, eu estou sempre me aludindo a elas”

 (Clarice Lispector, 1978).

 

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o poema não tem mais que o som do seu sentido,

a letra p não é a primeira letra da palavra poema,

o poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,

poema não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva

fresca e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil

árvores ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura

de cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes

e me fizeste nascer de ti para ser palavras que não

se escrevem, Lê-se país e mar e céu esquecido e

memória, lê-se silêncio, sim tantas vezes, poema lê-se silêncio,

lugar que não se diz e que significa, silêncio do teu

olhar doce de menina, silêncio ao domingo entre as conversas,

silêncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio

de ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema

calado, quem o pode negar? que escreves sempre e sempre, em

segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.

o poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,

a letra p não é a primeira letra da palavra poema,

o poema é quando eu podia dormir à tarde nas férias

do verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu

fui feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não

conhecia a palavra poema, quando eu não conhecia a

letra p e comia torradas feitas no lume da cozinha do

quintal, o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel

e deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas

e sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças

e os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.

o poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama

poema, a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de

si é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para

abraçar o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo

o que quero aprender se o que quero aprender é tudo,

é o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,

não são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são

bibliotecas a arder de versos contados e não é o poema, não é a

raiz de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos

conhecer o que possuímos e não possuímos nada, não é um

torrão de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre

os versos e o mundo, o poema não é a palavra poema

porque a palavra poema é um palavra, o poema é a

carne salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre

os telhados na hora em que todos dormem, é a última

lembrança de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.

o poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,

tem sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se

com grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e

incertezas, a letra p não é a primeira letra da palavra poema,

a palavra poema existe para não ser escrita como eu existo

para não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por

mim próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares

onde sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,

o poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me

olhas, o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a

palavra poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.

 

(José Luís Peixoto, in A Criança em Ruínas)

 

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SERTANEJO

 

 ( a Paulo Freire)

 

ser tão sozinho

ilhado

desmedido

não pelo vento

fustigado

mas,

algoz do humano

              irmão

desentranhado

oprimido

e assim tanto

chão

aridez:

          sertão

          sofrimento

 

do seco

ao sol alado

          voraz

da escassez

do abandono

ao esquecimento.

 

O esperançado

se faz:

 

Semeia

o sertão,

pois de seus olhos

            andarilhagem

sobrevivem bonitezas.

Pelas suas mãos

em coragem

a esperança gera

sulcando a terra

                com suas belezas.

Ensinar-aprender

na mesma lição.

A linguagem

o saber

das águas

seu dizer em alegria

tanta vertigem

aprendizagem

autonomia

e o que aflora

à revelia.

O que se decora

talvez

de utopia.

 

(Voar de desentranhadas

                letras

acolhidas

                libertas

palavras

em nós florescidas)

 

Tantos

sertões

           tantos

de ler o mundo

refeito

e liberto

se adentram em nosso peito

alardeiam

amorosidade:

                      tantos corações tintos

escritos de afeto.

 

Em ser tão sozinho

busco um sonho dentro do outro.

Neles me aninho

descanso

               canto

                        me ensino

feito colo divino

        remanso.

 

Há um mundo louco

em riste

há dores

motim.

Mas, desfeito,

de real intenção

              ao sim

aberto

que se abraça ao sertão

coexiste:

              eis o nosso jardim

 

  

 COLAGEM, ÓCULOS, LÁPIS DE COR

  

Essas palavras

concretas ao meu olhar

desenham à alma

o que se expande

do represado.

 

Serviriam para nomear

alguma jornada

livro

o desejado

livre

no seu exercício

de páginas

seu olhar miúdo

em forjado

descuido

e o sentido

de puro e impuro

mas, estrangeiro

ora abraçado.

 

.........................

 

(Há o legado

o que em mim mora

do que andou

de reencontro vivo

distraído

de ter ido embora).

 

...............................

 

Só para isso elas foram despertas

em grafia e sonhos

pigmentos

ao acaso

arestas

a desenhar momentos.

Estão aqui

bem na minha frente

em símbolo e realidade

no agora

festas

corrente.

Mas, são palavras a escrever

sua fieira

de impregnar

no que vigora

somente

maçã, macieira

seu presente

sombra impostora

a se desmanchar em cristal de outros olhos

sua ilusão

ideia sonora

a clarear do tempo

sua poeira

e semente.

  

 

 

LAMENTO

 

Eu tenho essa gana dentro de mim que não quer aflorar

 

Eu tenho essa gana dentro de mim que não quer

 

Eu tenho essa gana dentro de mim

 

Eu tenho essa gana

  

Eu tenho essa dor dentro de mim que me engana

Oficina de Leitura reflexiva do texto para teatro O crush da professora "Z" Maria de Edna Domenica Merola

 26/04/2022   O crush da Professora “Z” Maria   Tendo por chave o Teatro do Absurdo, relembro A Cantora Careca , de Ionesco, e pre...