Publicações de Antonio Gil Neto
RODA DE POESIA
05/10/2021
. ANTES DA RODA:
ENTRAR
NA RODA PARA VER COMO SE DANÇA
TAREFA-CONVITE AOS PARTICIPANTES: a) Trazer para o
encontro: - Poema de sua autoria. Vale outro gênero ou ainda de um
autor que admira. b) No encontro: - Dizer de suas impressões leitoras sobre poemas e/ou textos apresentados. - Ler o poema/texto que trouxe e comentar sobre seu processo de escrita, se for o caso. |
.
AGORA VAI:
Tem tudo a ver
A poesia
tem tudo a ver
com tua dor e alegrias,
com as cores, as formas, os cheiros,
os sabores e a música
do mundo.
A poesia
tem tudo a ver
com o sorriso da criança,
o diálogo dos namorados,
as lágrimas diante da morte,
os olhos pedindo pão.
A poesia
tem tudo a ver
com a plumagem, o vôo,
e o canto dos pássaros,
a veloz acrobacia dos peixes,
as cores todas do arco-íris,
o ritmo dos rios e cachoeiras,
o brilho da lua, do sol e das estrelas,
a explosão em verde, em flores e frutos.
A poesia
— é só abrir os olhos e ver —
tem tudo a ver
com tudo.
(Elias José, in: Segredinhos
de amor. Moderna)
Poema
ou poesia?
Qual é a diferença entre poema e poesia?
O poema é um texto “marcado por recursos sonoros e rítmicos.
Geralmente o poema permite outras leituras, além da linear”, pois sua
organização sugere ao leitor a associação de palavras ou expressões “posicionadas
estrategicamente no texto”.
A poesia está presente no poema, assim como em outras obras de
arte, “que, como o poema, convidam o leitor/espectador/ouvinte a retornar à
obra mais de uma vez, desvendando as pistas que ela apresenta para a
interpretação de seus sentidos”.
Norma Goldstein. Versos, sons, ritmos. 14a ed. São Paulo: Ática,
2006.
Então, essa é a diferença. Quando falamos em poema, estamos
tratando da obra, do próprio texto. E, quando falamos em poesia, tratamos da
arte, da habilidade de tornar algo poético. Uma pintura, uma música, uma cena
de filme, um espetáculo de dança, uma obra de arquitetura também podem ser
poéticos. Apesar da distinção, há pessoas que afirmam ler “poesias”, como se o
termo fosse sinônimo de “poemas”.
/////
Um Glossário
Aliteração:
repetição da mesma consoante ao longo do poema.
Analogia:
aproximação de coisas e/ou realidades distintas com o objetivo de realçar as
semelhanças entre elas, seja pela sua forma, pela sua função ou por outra
característica. Quando comparamos, por exemplo, um jogo de futebol a uma
batalha, estamos aproximando-os por aquilo que se parecem: num jogo de futebol,
há jogadores que formam um time, coordenados por um treinador, em busca da
vitória; numa batalha, há soldados que formam um exército, coordenados por um
general, também em busca da vitória. Assim, um jogo de futebol pode ser análogo
a uma batalha porque as funções exercidas pelos seus integrantes
(jogadores-soldados, time-exército, treinador-general) são parecidas, embora
não sejam iguais no todo.
Assonância:
repetição da mesma vogal ao longo do poema.
Estrofe: é
a voz que fala no poema, algo equivalente ao narrador de um romance ou conto.
Tradicionalmente, essa voz se expressa na primeira pessoa do singular (daí o
surgimento do termo), mas nada impede que aconteça de outra forma (você
certamente lembra de algum poema que não está na primeira pessoa do singular).
É sempre importante lembrar que o eu-lírico (a voz do poema) não corresponde ao
poeta (o autor ou autora, o indivíduo de carne e osso que escreveu o poema):
nada impede, por exemplo, que um poeta que é homem, adulto e brasileiro escreva
um poema na voz de uma mulher (eu-lírico feminino) e vice-versa, ou de uma
criança (eu-lírico infantil), ou de uma pessoa uruguaia ou sul-africana
(eu-lírico estrangeiro).
Figuras
de linguagem: são todos aqueles recursos linguísticos, sejam eles sonoros,
sintáticos ou semânticos, que geram efeitos de sentido no texto, exigindo do
leitor ou leitora algum tipo de interpretação. Também chamadas de figuras de
estilo ou figuras de retórica, as figuras de linguagem, em muitos casos, operam
justamente a passagem do sentido literal para o sentido figurado (a metáfora,
por exemplo) das palavras. Em outros casos, elas podem ajudar a reforçar o
sentido expresso pelo texto, ou a dar a entender o seu contrário, ou a chamar a
atenção sobre o aspecto material das palavras empregadas. As figuras de
linguagem foram classificadas e organizadas em listas exaustivas (comparação,
metáfora, metonímia, aliteração, paronomásia, antítese, paradoxo, ironia,
etc.), mas o que mais importa para nós, enquanto leitores e professoras, não é
saber essa lista de cor, e sim ser capazes de percebê-las nos textos que lemos
e trabalhamos./p>
Onomatopeia:
figura de linguagem na qual a pronúncia das letras ou da palavra sugere o som
do que é nomeado.
Paranomásia:
figura de linguagem caracterizada pelo uso de palavras com grafia e sonoridade
semelhantes, porém com sentidos distintos (parônimos).
Poesia
X poema: esse parzinho de termos, você já deve ter reparado, se presta
a muitos usos diferentes. Algumas vezes aparecem como sinônimos (ler um poema =
ler uma poesia), outras, não. Nesses casos, o termo poesia é entendido de uma
forma mais ampla, ou como o gênero literário que agrupa todas as formas
possíveis (poemas) de se manifestar, ou como o fenômeno que nos faz perceber
algo (uma paisagem, uma cena, um objeto, uma pessoa) de forma especial,
interessante, ou seja, de forma poética. Se pensarmos de acordo com essa última
definição, poderíamos dizer que um poema contém poesia, mas,
ao mesmo tempo, que a poesia pode estar contida em outras
coisas (uma paisagem, uma cena, um objeto, uma pessoa) para além dos poemas,
isto é, dependendo da nossa maneira de olhar para elas (lembra quando, em Garota
de Ipanema, o eu-lírico diz que “o seu balançado é mais que um poema”? Ele
está dizendo não só que vê poesia naquele jeito de andar, mas que tem mais
poesia que num poema!).
Essa discussão pode se tornar bem longa, e não vem ao caso
querer encerrá-la de forma categórica (e muito menos querer ficar
problematizando isso com os nossos alunos e alunas!). Afinal, se já faz
bastante tempo que essa confusão existe, quem somos nós para querermos acabar
com ela, não é mesmo? Ou, pensando de outro ângulo, talvez essa confusão acabe
dizendo sobre a própria natureza da poesia, ou do poema, ou de ambos.
Rima:
repetição de sons iguais ou parecidos nos finais de duas ou mais palavras.
Normalmente, a rima ocorre no final dos versos, mas pode envolver palavras no
meio deles (são as chamadas rimas internas).
Refrão (ou
estribilho): são versos ou conjuntos de versos que se repetem ao final de cada
estrofe, muito comuns nas canções.
Sentido
literal: é o sentido comum, dicionarizado, de uma palavra, também
chamado de sentido denotativo.
Sentido
figurado: é o sentido de uma palavra quando usada fora de seu contexto
comum, literal, gerando sempre alguma necessidade de interpretação, a partir do
contexto em que está inserida, também chamado de sentido conotativo. O sentido
figurado aparece com frequência na poesia, mas não podemos esquecer que fazemos
isso também em situações cotidianas (quando dizemos, por exemplo, que estamos
“morrendo” de medo, como forma de realçar a intensidade do medo que estamos
sentindo) .
//////
Sobre poemas e poetas
Anna Helena Altenfelder
Poemas e poetas: estes assuntos trazem muitos
questionamentos a todos que se envolvem com o ensino de língua. O que
é poesia? O que são poemas? O que são versos? Como ensinar a escrever
poemas? Nosso objetivo, com este texto, não é esclarecer definitivamente essas
questões, mas criar um espaço para a reflexão sobre elas antes de propor um
caminho para o importante e necessário trabalho com poesia em sala de aula.
Olhar os poetas e suas produções com um olhar mais analítico,
para além da fruição da beleza da poesia, requer bastante reflexão. Como o tema
é polêmico e complexo e vem sendo frequentemente abordado por grandes
estudiosos desde a Antiguidade, há vasta produção de respostas. Essas
respostas, porém, podem ser muito complicadas para servirem de apoio imediato à
construção de um caminho pedagógico para o ensino de poesia e poemas na escola.
Para nos auxiliar no desenho desse caminho, podemos começar
dizendo que, atualmente, admite-se uma grande divisão em dois gêneros para toda
produção escrita da humanidade, desde os primórdios até hoje: a poesia e
a prosa. Esses dois grandes gêneros se subdividem em
inúmeros outros. No caso da prosa, podemos citar gêneros
literários, como romances, contos e crônicas; gêneros originados do trabalho
científico, como os artigos e relatórios; gêneros jornalísticos, como notícias
e reportagens, entre infinitos outros gêneros. No caso da poesia,
também há uma subdivisão em grandes gêneros, como o gênero épico ou o gênero
lírico, entre outros. Todos os gêneros da poesia se expressam em poemas.
Poesia e
poemas
Mas qual é a diferença entre as expressões poesia e poema? Será
que elas querem dizer a mesma coisa? Segundo o Mini Dicionário Aurélio
da Língua Portuguesa, poesia é a "Arte de
criar imagens, de sugerir emoções por meio de uma linguagem em que se combinam
sons, ritmos e significados". No mesmo dicionário, poema é
definido como: "Obra, em verso ou não, em que há poesia", ou seja:
quando falamos em poema, estamos nos referindo a textos
que têm ritmo e sonoridade próprios e contêm poesia; quando falamos de poesia,
nos referimos àquilo que torna um texto poético. O que torna um texto poético é
o sentido artístico que seu autor consegue imprimir ao que escreve.
Os poemas só ganham existência concreta como elementos de
comunicação se houver leitores interessados em ler o que os poetas escrevem.
Essa forma de interação entre poeta e leitor indica elementos essenciais da situação
em que os poemas são escritos:
- de um lado, estão os poetas, artistas que escrevem com a
intenção de emocionar, divertir, convencer e fazer pensar o mundo de um jeito
novo, original e único, de modo a encantar ou mesmo chocar os leitores, para
aproximá-los do que sentem sobre o mundo, por meio da arte de escrever poesia
em poemas;
- do outro lado, estão os leitores, pessoas que desejam, quando
leem poemas, sentir e emocionar-se com o que leem mais do que raciocinar
logicamente sobre o assunto lido.
É essa situação de comunicação especial própria da arte que dá o
"tom" de poesia aos poemas.
Poemas
Para aprofundar a reflexão sobre o assunto e ter apoio
suficiente para construir um trabalho eficaz em sala de aula, também é preciso,
além de compreender que há diferenças entre poesia e poema, identificar
características próprias dos poemas para auxiliar os alunos a compreendê-los.
Não é fácil, porém, identificar essas características porque, em primeiro
lugar, há muitos gêneros de poemas, cada um com suas particularidades, e , em
segundo lugar, porque a poesia é o território da escrita onde há mais liberdade
para escrever.
Assim, se tentarmos identificar poemas entre outros textos
buscando formas típicas gerais, exemplares, que sirvam
para classificar todos os tipos de poemas, não vamos conseguir grande coisa.
Sonetos ou odes, por exemplo, tipos de poemas que existem desde épocas mais
antigas, têm quantidade de versos e distribuição desses versos determinadas por
regras rígidas, o que leva esses textos a terem formas gráficas bem definidas.
Já os poemas contemporâneos costumam ter formas mais soltas, menos
determinadas. Além de serem expressos em diferentes organizações e formas
gráficas, os poemas também falam sobre diferentes temas: a terra natal, uma história
ou, ainda, injustiças e desigualdades sociais. Assim, também não são temas
próprios que definem os poemas e os distinguem dos textos em
prosa. A existência de rimas, por outro lado, também não é suficiente para
transformar um texto em poema.
Como distinguir, então, um poema de outros textos? Uma indicação
segura é a sonoridade, o "tom" que eles
apresentam. Os poetas, ao escreverem, buscam que o poema tenha uma cadência,
como um tambor batendo em intervalos regulares, o que faz com que o
leitor perceba o texto poético pelo ouvido. É por isso que tão gostoso
quanto ler poemas é ouvi-los sendo declamados. Além de apoiar-se no ritmo, para
dar ao que escreve o "tom" de poema, o
poeta usa outros recursos: joga com a sonoridade das palavras, busca sons
similares rimando as palavras no final dos versos, ou repete sons parecidos ou
iguais em várias palavras, fazendo com que elas ecoem ao longo do texto. Muitas
vezes o poeta pode ir além e transmitir a impressão que algo lhe causou,
criando imagens. Pode usar, também, o recurso da metáfora, dando às palavras um
sentido mais rico, como se elas quisessem dizer mais de uma coisa ao mesmo
tempo, ou fazer comparações.
Além de ser percebido pelo ouvido, um poema pode ser
identificado pelo olhar, pelo modo como o texto é disposto na folha de papel.
Alguns poetas dispõem os versos nas páginas de forma tão especial que criam uma
imagem concreta, dando ao leitor a ideia do que vai ler, antes mesmo de ler as
palavras. Se o poeta escreve sobre girassóis, por exemplo, pode dispor as
palavras no texto em forma de girassol, reforçando a imagem que as palavras
trazem. Todos esses recursos utilizados na escrita de poemas despertam a
compreensão do leitor mais pelos sentimentos e emoções, do que
pelo pensamento racional.
Assim, diferentemente do que se pensa usualmente, poema não é só
aquilo que rima, tem sílabas contadas, musicalidade ou um esquema definido de
composição. Não é só a forma e o ritmo que o definem, mas, principalmente, a
maneira como o poeta vê as coisas, como nos revela Fernando Pessoa, na voz de
Alberto Caeiro, seu heterônimo:
"Não me importo com as rimas.
Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor."
Para comporem seus poemas, os poetas, mesmo aqueles já
consagrados, passam muito tempo arrumando o que escreveram, organizando,
mexendo com as palavras, experimentando vários jeitos de fugir do lugar-comum,
romper clichês e encantar o leitor com sua maneira própria de ver o mundo. Como
se vê, não é só de inspiração que são feitos os poemas: ao contrário do que
parece à primeira vista, o ofício de poeta exige muito trabalho.
A escrita de poemas pelos alunos também exige trabalho: leitura
de muitos poemas, reflexão sobre a situação de produção, atividades para que se
apropriem de recursos poéticos e possam utilizá-los com facilidade. Alguma
inspiração também é necessária para que os poemas aconteçam, é claro. Mas
convém dizer que inspiração só se realiza concretamente quando dominamos os
instrumentos necessários para lhe dar vida e que ela se torna mais refinada
quando praticamos continuamente o uso desses instrumentos. Assim como um
pianista precisa ouvir muita música e saber utilizar seu instrumento, o piano,
para compor e tocar, os alunos precisam ler e conhecer muito bem os diversos
gêneros poéticos para serem bons autores de poemas.
/////
O LUGAR
DO ESCRITOR...QUE LUGAR É ESSE?
Momento
Enquanto eu fiquei
alegre,
permaneceram um bule azul com um descascado no bico,
uma garrafa de pimenta pelo meio,
um latido e um céu limpidíssimo
com recém-feitas estrelas.
Resistiram nos seu lugares, em seus ofícios,
constituindo o mundo pra mim, anteparo
para o que foi um acometimento:
súbito é bom ter um corpo pra rir
e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo
alegre do que triste. Melhor é ser.
“Escrevo
à mão, em cadernos, não importa em que lugar da casa. Prefiro o lápis à caneta.
E o meu kit poesia. Sempre carrego o caderno, mesmo em viagens, para registrar
um episódio, um acontecimento que tenha natureza poético-literária. Sei que é a
semente do texto. É meu dever registrar aquilo. É um presente divino que
preciso guardar. Pode estar aí o embrião
de um poema, de uma prosa de, de uma novela. Se você tem um dom, a coisa mais
agradecida que pode fazer em relação a ele é aceitar, cuidar disso como um
operário. Mas quando o livro fica pronto, costumo queimar todos os cadernos de
rascunho.”
(Adélia
Prado, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)
TRATADO
GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO
A poesia
está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as
nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.
(Manoel
de Barros, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)
APRENDIZAGEM
Do mesmo
modo
que te abriste à alegria
abre-te agora ao sofrimento
que é fruto dela
e seu avesso ardente.
Do mesmo modo
que da alegria foste
ao fundo
e te perdeste nela
e te achaste
nessa perda
deixa que a dor
se exerça agora
sem mentiras
nem desculpas
e em tua carne vaporize
toda ilusão
que a vida só consome
o que a alimenta.
A
poesia é intempestiva. É coisa que ninguém controla. Ela me acorda no meio da
noite ou leva um ano sem aparecer. É inteiramente aleatória. Me ocupo de vez em
quando com outras coisas, porque se fosse me ocupar só de poesia estaria
maluco. A poesia não obriga à rotina, pelo contrário, ela quebra, rompe a
rotina. A poesia, quando chega de qualquer de seus abismos, não respeita nem
pai nem mãe.”
O FIM QUE SE APROXIMA
Amazonas:
mito grego
menos antigo
que os mitos da Amazônia.
Os que vivem
no Cosmo há milênios
são
perseguidos por mãos de ganância,
olhos
ávidos: minério, fogo, serragem, fim.
Quem são
vocês,
incendiários
desde sempre,
ferozes
construtores de ruínas?
Os que
queimam, impunes, a morada ancestral,
projetam no
céu mapas sombrios:
manchas da
floresta calcinada,
cicatrizes
de rios que não renascem.
atrás da
humanidade amazônica?
Que triste
pátria delida,
mais armada
que amada:
traidora de
riquezas e verdades.
Quando tudo
for deserto,
o mundo
ouvirá rugidos de fantasmas.
E todos vão
escutar, numa agonia seca, o eco.
Não
existirão mundos, novos ou velhos,
nem passado
ou futuro.
No solo de
cinzas:
o
tempo-espaço vazio.
“O
verdadeiro lugar onde o escritor se manifesta em mim e no espaço da memória,
quase sinônimo de imaginação. Tudo o que escrevi até hoje está ligado às
imagens da minha infância e adolescência em Manaus. Essa memória contém tudo o
que é necessário ao romancista. E isso que provoca uma aflição, um desejo de
escrever. Quem viveu intensamente até os vinte anos, como eu, é só esperar mais
um quinze anos para começar a escrever.
Isolamento
e concentração. E tudo que preciso.
(Milton
Hatoum, in O lugar do escritor, Cosac&Naify)
Descobri
em cima da chuva um milagre – pensava Joana –, um milagre partido em estrelas
grossas, sérias e brilhantes, como um aviso parado: como um farol. O que tentam
dizer? Nelas pressinto o segredo, esse brilho é o mistério impassível que ouço
fluir dentro de mim, chorar em notas largas, desesperadas e românticas.
(
in Perto do coração selvagem)
um
milagre, um milagre
partido
em estrelas grossas,
sérias
e brilhantes,
como
um aviso parado:
como
um farol.
Por
que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como é
que se começa? e que é que se faz com o papel em branco nos defrontando
tranquilo?
Sei
que a resposta, por mais que intrigue, é a única: escrevendo. Sou a pessoa que
mais se surpreende de escrever. E ainda não me habituei a que me chamem de
escritora. Porque, fora das horas em que escrevo, não sei absolutamente
escrever. Será que escrever não é um ofício? Não há aprendizagem, então? O que
é? Só me considerarei escritora no dia em que eu disser: sei como se escreve.”
(
Clarice Lispector, in crônica/1968)
/////
COMO
EU ESCREVO?
“Minha
nascente é obscura... Meu pensamento com a enunciação de palavras mentalmente
brotando, este meu pensamento de palavras é precedido por uma instantânea visão
sem palavras do pensamento, palavra que se seguirá quase imediatamente,
diferença espacial de menos de um milímetro... Eu escrevo por meio de palavras
que ocultam outras – as verdadeiras. É que as verdadeiras não podem ser
denominadas. Mesmo “que eu não saiba quais são as verdadeiras palavras, eu
estou sempre me aludindo a elas”
o
poema não tem mais que o som do seu sentido,
a
letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o
poema é esculpido de sentidos e essa é a sua forma,
poema
não se lê poema, lê-se pão ou flor, lê-se erva
fresca
e os teus lábios, lê-se sorriso estendido em mil
árvores
ou céu de punhais, ameaça, lê-se medo e procura
de
cegos, lê-se mão de criança ou tu, mãe, que dormes
e
me fizeste nascer de ti para ser palavras que não
se
escrevem, Lê-se país e mar e céu esquecido e
memória,
lê-se silêncio, sim tantas vezes, poema lê-se silêncio,
lugar
que não se diz e que significa, silêncio do teu
olhar
doce de menina, silêncio ao domingo entre as conversas,
silêncio
depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silêncio
de
ti, pai, que morreste em tudo para só existires nesse poema
calado,
quem o pode negar? que escreves sempre e sempre, em
segredo,
dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o
poema não é esta caneta de tinta preta, não é esta voz,
a
letra p não é a primeira letra da palavra poema,
o
poema é quando eu podia dormir à tarde nas férias
do
verão e o sol entrava pela janela, o poema é onde eu
fui
feliz e onde eu morri tanto, o poema é quando eu não
conhecia
a palavra poema, quando eu não conhecia a
letra
p e comia torradas feitas no lume da cozinha do
quintal,
o poema é aqui, quando levanto o olhar do papel
e
deixo as minhas mãos tocarem-te, quando sei, sem rimas
e
sem metáforas, que te amo, o poema será quando as crianças
e
os pássaros se rebelarem e, até lá, irá sendo sempre e tudo.
o
poema sabe, o poema conhece-se e, a si próprio, nunca se chama
poema,
a si próprio, nunca se escreve com p, o poema dentro de
si
é perfume e é fumo, é um menino que corre num pomar para
abraçar
o seu pai, é a exaustão e a liberdade sentida, é tudo
o
que quero aprender se o que quero aprender é tudo,
é
o teu olhar e o que imagino dele, é solidão e arrependimento,
não
são bibliotecas a arder de versos contados porque isso são
bibliotecas
a arder de versos contados e não é o poema, não é a
raiz
de uma palavra que julgamos conhecer porque só podemos
conhecer
o que possuímos e não possuímos nada, não é um
torrão
de terra a cantar hinos e a estender muralhas entre
os
versos e o mundo, o poema não é a palavra poema
porque
a palavra poema é um palavra, o poema é a
carne
salgada por dentro, é um olhar perdido na noite sobre
os
telhados na hora em que todos dormem, é a última
lembrança
de um afogado, é um pesadelo, uma angústia, esperança.
o
poema não tem estrofes, tem corpo, o poema não tem versos,
tem
sangue, o poema não se escreve com letras, escreve-se
com
grãos de areia e beijos, pétalas e momentos, gritos e
incertezas,
a letra p não é a primeira letra da palavra poema,
a
palavra poema existe para não ser escrita como eu existo
para
não ser escrito, para não ser entendido, nem sequer por
mim
próprio, ainda que o meu sentido esteja em todos os lugares
onde
sou, o poema sou eu, as minhas mãos nos teus cabelos,
o
poema é o meu rosto, que não vejo, e que existe porque me
olhas,
o poema é o teu rosto, eu, eu não sei escrever a
palavra
poema, eu, eu só sei escrever o seu sentido.
(José
Luís Peixoto, in A Criança em Ruínas)
SERTANEJO
ser
tão sozinho
ilhado
desmedido
não
pelo vento
fustigado
mas,
algoz
do humano
irmão
desentranhado
oprimido
e
assim tanto
chão
aridez:
sertão
sofrimento
do
seco
ao
sol alado
voraz
da
escassez
do
abandono
ao
esquecimento.
O
esperançado
se
faz:
Semeia
o
sertão,
pois
de seus olhos
andarilhagem
sobrevivem
bonitezas.
Pelas
suas mãos
em
coragem
a
esperança gera
sulcando
a terra
com suas belezas.
Ensinar-aprender
na
mesma lição.
A
linguagem
o
saber
das
águas
seu
dizer em alegria
tanta
vertigem
aprendizagem
autonomia
e
o que aflora
à
revelia.
O
que se decora
talvez
de
utopia.
(Voar
de desentranhadas
letras
acolhidas
libertas
palavras
em
nós florescidas)
Tantos
sertões
tantos
de
ler o mundo
refeito
e
liberto
se
adentram em nosso peito
alardeiam
amorosidade:
tantos corações tintos
escritos
de afeto.
Em
ser tão sozinho
busco
um sonho dentro do outro.
Neles
me aninho
descanso
canto
me ensino
feito
colo divino
remanso.
Há
um mundo louco
em
riste
há
dores
motim.
Mas,
desfeito,
de
real intenção
ao sim
aberto
que
se abraça ao sertão
coexiste:
eis o nosso jardim
Essas
palavras
concretas
ao meu olhar
desenham
à alma
o
que se expande
do
represado.
Serviriam
para nomear
alguma
jornada
livro
o
desejado
livre
no
seu exercício
de
páginas
seu
olhar miúdo
em
forjado
descuido
e
o sentido
de
puro e impuro
mas,
estrangeiro
ora
abraçado.
.........................
(Há
o legado
o
que em mim mora
do
que andou
de
reencontro vivo
distraído
de
ter ido embora).
...............................
Só
para isso elas foram despertas
em
grafia e sonhos
pigmentos
ao
acaso
arestas
a
desenhar momentos.
Estão
aqui
bem
na minha frente
em
símbolo e realidade
no
agora
festas
corrente.
Mas,
são palavras a escrever
sua
fieira
de
impregnar
no
que vigora
somente
maçã,
macieira
seu
presente
sombra
impostora
a
se desmanchar em cristal de outros olhos
sua
ilusão
ideia
sonora
a
clarear do tempo
sua
poeira
e
semente.
LAMENTO
Eu
tenho essa gana dentro de mim que não quer aflorar
Eu
tenho essa gana dentro de mim que não quer
Eu
tenho essa gana dentro de mim
Eu
tenho essa gana
Eu tenho essa dor dentro de mim que me engana
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