Yara, primeira à direita da foto |
Adquiriu o hábito da leitura por meio de uma oportuna descoberta de um ônibus biblioteca do bairro em que residia, aos 10 anos. Depois descobriu a biblioteca pública municipal, à época ainda sem censura por idade.
Seus autores preferidos: Galeano, Mia Couto, Clarice Lispector, Simone de Beauvoir, Jorge Amado, Conceição Evaristo, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, os clássicos franceses, os romancistas russos, os revolucionários marxistas e socialistas. Djamila Ribeiro, Márcia Tilburi, Frantz Fanon, Lia Vainers.
Conceição Evaristo |
Djamila Ribeiro |
ESCRITA e escrita
Yara Maria Moreira de Faria Hornke
TRANSCRITA INSCRITA TATUADA
MARCADA BORDADA
TRANSMITE TRADUZ SENTIMENTOS EMOÇÕES
COMUNICA LIGA UNS AOS OUTROS
É LINGUAGEM
A fala é efêmera instantânea... A escrita é registro
perpétuo, marca, permite a história.
Escrita rupestre. Hieróglifo.
Escrita rebuscada, enfeitada.
Escrita magra, elegante.
São tantas suas formas...
Quando criança a alfabetizar... com sua letra feia
comparada com a letra limpa e legível da professora... Mas a letra é só um meio
de expressar a escrita quando a escrita é manual...
E aí eu vejo a cena do escritor escrevendo com
caneta tinteiro, se borrando de tinta ... Ou mais antigo ainda: escrevendo com
uma pena que já foi de um pássaro e teve outra serventia, serviu para voar...
Ah! São tantas as formas de se escrever....
As aulas de datilografia tec. tec. tec... asdfg
asdfg hjklç ... depois o uso do computador... com a possibilidade de corrigir
sem uso da borracha ... que libertário ...
Mas o que acontece quando eu escrevo.... eu
transmito, (histórias, fatos, sentimentos, preocupações, etc. etc. etc.) E daí
estes acontecimentos, fatos.... etc.
deixam seu anonimato e passam a existir num espaço diverso do que o
efêmero. Este é um poder da escrita....... este ato de escrever tem mão dupla,
muda o próprio pensar que vai sendo outro, outro e outro... conforme as
leituras, as circunstâncias das leituras, as circunstâncias de quem lê....
Se for uma dor ... que estou transmitindo,
contando... alivia aplaca, passa a dor para o outro, socializa... compartilha ...
E nos permite mil viagens, ao sabor e no limite da
imaginação, que é infinita ou melhor pode ser de acordo com meu divagar....
A escrita tem seu escritor com sua mão, seus dedos,
deslizando pelo teclado ou pelo papel... tem sua atenção, seu pensamento.
Outro dia pensei naqueles desprovidos da visão....
dos que nunca viram.... nunca viram escrita, será...
As vezes penso nos analfabetos, como deve ser
difícil viver num mundo onde não se compreende o que está escrito.... tudo ao
nosso redor está escrito.... placas de ônibus, preços, mensagens a cidade é
repleta de escritos.
E é neste contexto que me lembro da história banal,
mas reveladora do poder da escrita para uma menininha de 7 anos, em seu
primeiro ano escolar. Ela tinha uma letra rude, rebelde, que não se adaptava ao
modelo proposto pela mestra. Esta sim com uma letra bonita, organizada,
absolutamente ordenada, e legível típica das mestras. E a mestra não gostava daquela letra da
menina. E todo o dia ao pedir o caderno com a lição de casa examinava “aqueles
garranchos” como dizia:
– Você não
melhora esta letra nunca, menina? Como as pessoas vão conseguir entender o que
você escreve?
– Vou passar
uma nova lição para você! De caligrafia... E a lição você vai ter que
refazer... até que consiga escrever de forma legível.
A menininha, olhava apavorada, morria de vergonha
dos colegas. Mas por mais que se esforçasse nunca conseguia fazer uma letra
melhor. As mãos, os dedos não obedeciam. Não seguiam a linha, escapavam para a
linha de baixo, pareciam querer fugir do papel.
A menininha ficava arrasada. E aí com várias lições
acumuladas ...encontra uma saída para este impasse.... Não faria mais as lições
de casa... daí a professora não teria como envergonhá-la na frente de toda a
classe.
Mas a professora que cobrava as lições deu um
ultimato,
– Se você não
trouxer as lições refeitas vai ser suspensa.
A menininha ficou em pânico. E resolveu que só tinha uma saída... Não iria
mais à escola....
Em casa a situação ficou tensa. A mãe chamando para ir para escola, já estava
quase na hora. E ela escapava, fugia de um quarto para outro se escondia.
A mãe sabia que tinha um problema... Tinha recebido
um bilhete da professora que reclamava da letra da menina. Mas achava que era
uma questão de treino. Com o tempo ela iria melhorar. Não retrucou com a
professora, só disse que iria ficar atenta.
Mas aquele dia estava difícil. Chegando no limite do horário e nada da
menininha se aprontar para a escola.
Deu uma bronca e intimou:
– Agora você
vai para a escola.... A menininha em pânico, aproveitou uma escada que tinha
ficado encostada na parede externa e subiu para o telhado. Feito um gato.
A mãe, ficou também em pânico.... se ela caísse...?
Ah meu Deus!!!
Subiu até o topo da escada e disse:
– Pode
descer, aí é muito perigoso, vamos conversar e você me explica o que está
acontecendo.
– Hoje você não vai à escola. (na verdade não dava
mais tempo). A menininha suspirou olhou para a mãe... que no topo da escada
também podia cair. Daí deu a mãozinha para a mãe e desceu.
Ufa.... Bom! Final feliz, as duas se abraçaram ... a
mãe percebendo, enfim, o quão grande era para a menininha enfrentar esse
desafio de ir para a escola com a sua letra feia...
A mãe então escreve um bilhete para a mestra,
apontando a dificuldade da sua filha e que iria ajudar a melhorar a letra....
Talvez fazendo letra de forma...
COMENTÁRIOS
"A live recente da Yara Hornke, em Leitores & escritores: interações e que abordou a infância, e o que passamos na sala de aula, me inspirou a escrever uma experiência que passei. Fizemos, na aula, um cartão de Páscoa para dar aos nossos pais. Eu feliz da vida, e já escritora mirim, escrevi meu próprio texto( parte superior da foto), incluindo nele meus pais e meu irmão. Texto bem infantil (eu tinha 10 anos), mas original. A professora viu, e partiu para a violência verbal. Que eu não tinha nada que me antecipar. Eu devia ter esperado para ela ditar o texto (parte inferior da foto). Ou seja, como ser criativo com professores carrascos como estes? Somos sobreviventes. Graças a Deus. Compaixão pelos que tombaram pelo caminho." (Clara Amélia de Oliveira, 23/05/2021)
O olhar narrativo construído por Yara alcança o excluído e o coloca sutilmente na perspectiva do leitor. Faz da invisibilidade objeto de leitura, do problema a busca de soluções. Faz da "escrita" "ESCRITA" e vice versa.
ResponderExcluirYara Hornke participou do Leitores & escritores: interações, em 18/05/2021. O encontro foi muito profícuo. Yara Hornke leu se texto ESCRITA e escrita que nos colocou em estado de reflexão sobre métodos de ensino, castigos corporais, exclusões e controles advindos do sistema, bem estar social e direitos humanos, economia e necropolítica. Estiveram presentes Antonio Gil Neto, Cassiano Silveira,Clara Amélia de Oliveira, Edna Domenica, Oleni Lobo, Maria Bernadete Viana da Silva, Marlene Xavier Nobre, Wolf Hornke, Mariane Valerio, Karoline, Zulma Cecília, Mariana.
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