quinta-feira, 17 de junho de 2021

Leitores & escritores: interações com Marlene Xavier Nobre.





   

                   




Marlene Xavier Nobre nasceu em Florianópolis /SC, em agosto de 1953. Diz que escrever é seu maior vício. É autora de A meus queridos netos – cartas, Postmix,2017; Lembranças e esperanças de uma Mulher, insular, 2020.

Texto selecionado para reflexão no curso de leitura do CIC Leitores & escritores: interações, em 27/04/2021: O silêncio da nossa casa. Marlene Xavier Nobre, Lembranças e esperanças de uma Mulher, Insular, 2020.  

Era 1964, tinha onze anos de idade. 

Guardo na memória a triste lembrança de meu pai. Subiu o morro com os cabelos revirados e os olhos arregalados. Foi amparado por minha mãe. 

De imediato, não entendi a gravidade do que vivíamos. Soube depois que meu pai fazia parte de um movimento político. 

Foi numa segunda-feira. Meu pai estava no trabalho, em sua função de gráfico. A polícia militar fez um arrastão pela cidade à procura do grupo a que meu pai pertencia.

Ele não havia matado e nem roubado. Como cidadão, ele lutava pelos seus direitos. Prenderam todos os seus amigos.

Meses depois, meu pai ficou sabendo que seus companheiros haviam sido levados para a Ilha das Cobras (RJ), onde foram torturados e mortos.

Meu pai ficou dois meses preso no quarto de nossa casa. Lembro-me de que na casa de madeira na qual morávamos tinha frestas. Minha mãe, minhas irmãs e eu colocamos jornais para tapá-las. 

Fui escolhida para ir, diariamente, comprar jornais na banca que ficava na Avenida Mauro Ramos, à altura do número 982. Antes que saísse de casa, meu pai recomendava que se alguém perguntasse por ele, que não respondesse. Poderia falar apenas com o dono da banca, mas em tom bem baixo, e dar notícias dele. 

Todas as noites ele ouvia, no rádio, as notícias sobre o país. 

Foi uma época muito tensa. Minha vida e dos irmãos ficou muito restrita. Só podíamos brincar no quintal, mas não podíamos dizer uma palavra. O silêncio imperava. Só saíamos para ir à escola. 

Quando passavam aviões da FAB, meu pai ficava em pânico. 

Meu pai era algoz de si mesmo. Não via o sol e nem a luz do dia. Ficou de barba e cabelo por fazer. Estava bem abatido. 

Minha pobre mãe nada podia fazer além de cuidar e de se dedicar a ele, naquele momento difícil.

Sinto que ele foi forte para resistir psicologicamente e conseguir sobreviver. Sempre dizia para minha mãe que sua luta era em benefício de seus netos.

Os netos de meu pai cursaram a universidade. Isso foi uma grande abertura para a nossa família e para muitas outras de origens semelhantes à nossa. 

Os bisnetos de meu pai experimentam hoje o retrocesso histórico relativo ao cerceamento de liberdades. 

O bisavô deles, como eterno militante, deve estar novamente sofrendo por isso, no Além.

 

Em 2019, participou da Coletânea de poesias do Instituto de Memórias (PR).

Em 2020, participou da Antologia poética Vivara poesia livre, Ed nacional, 2020 - Série novos Poetas Nº35. Organização: Issac Almeida Ramos. Paraíba: Vivara Editora Nacional, 2020, p. 385 - 386.

De Corpo e Alma

 

Hoje pela manhã, resolvi dar uma caminhada 

Entrei numa academia 

Fiquei observando cada jovem que ali estava 

(lá fora muita chuva!) 

Na esteira, refletia e via: lindos corpos 

Sarados, bem malhados, alguns definidos

 

Rostos bonitos, sorrisos abertos 

Perguntei-me: “Será que eles sabem orar?” 

Pois corpo e alma caminham juntos... 

E sem hesitar, logo pensei: 

– O corpo precisa de pão, a alma de oração 

Aí sentei num lugar sem ninguém me notar. 

Nesse instante começava uma briga interna comigo 

Será que eles estão certos em se exceder com tanta malhação? 

Mesmo sabendo que tudo tem uma razão estão cuidando do bem mais precioso: a saúde. 

Ainda fiquei a me questionar será preciso tanto esforço pendurado nestes ferros e com tantos pesos 

Ou precisamos mesmo de mais orações? 

Para enfrentar o suor no rosto com tanto cansaço do trabalho. 

O corpo precisa ser cuidado, é perecível, 

Frágil um dia acaba, a alma é eterna 

Ou será precisamos contrabalançar 

Os nossos desejos desenfreados? (que são tantos!) 

E quando caímos de boca nas tentações, nas comilanças, 

pois ela é a porta de entrada e saída. Há essa boca nervosa 

Não espera. 

Precisamos traçar metas e certas 

Mas tudo em exagero, não combina 

E a vaidade onde fica? Ou não fica?! 

Precisamos mesmo é saber a dosagem, discernir o que queremos para a nossa vida, 

pois cada um tem a sua e é responsável pelos seus atos imprudentes 

Mas o fato é que possamos nos enxergar no espelho que reflete a alma 

Precisamos ser mais persistentes seja onde for ou com quem for 

(nem que seja só).

 

Cuidar melhor da saúde e da atitude 

Que é mais importante. 

Cuidar da nossa alimentação sem passar do ponto 

(temos estômago) 

O mais importante é não esquecer de fazer orações

 

(nem que seja a noite)... 

Pois corpo e alma caminham juntos. 

 

Participou da coletânea de Poesia da Apparere, 2021 com o texto Cânticos d´alma

 

CÂNTICOS D´ALMA 

I Alma

 

Alma que grita, que fala, que reza. Alma medita, erra.

Alma endividada, alma demoníaca, alma possuída, alma tentadora.

Dúvida na noite escura

No dia se perde na sombra do corpo.

Alma que jura, alma perseguida

Alma querida, alma maldita

Alma medita, alma jura

Alma: a mentira desmedida

Alma menina, alma feminina

Alma florida, és a pureza infinita

És a Estrela que ilumina

Tua caminhada é árdua

És a entrega de quem não enxerga

 

Alma, tua aura é perfeita

És a cegueira pra quem não te suporta. Alma és a raiva és a irá alma não és

santa.

Alma és tudo aquilo para quem te suporta

Alma também ama, alma tem chama, alma também se engana.

Alma és boa, és imperfeita

Alma és pecadora aqui nesta terra...

Alma não te enganas, aqui tudo passa, na noite gelada

Na despedida, de qualquer calçada.

 

II Tua Alma

Pra que invejar?

Um simples olhar teu me faz brilhar.

Não queira me entender, não consigo mudar.

Quero espalhar o que tenho de melhor: sei amar.

Passeio meu olhar pela areia,

Pelas plantas. Meu pensamento viaja, corta o ar.

Posso te esperar em cada partida.

Não posso ir. Em mim não existe um outro lugar

Quero sorrir igual criança sem parar.

Tudo o que me reste que seja amar.

Me perdi no teu olhar.

Num lugar ao sol, quero me sentir.

Impossível ir

Não consigo enxergar para qual lugar.

III Cântico em “o”

Foco em tudo que quero:

— Num amor eterno

Nem sempre vejo um olhar singelo.

Os dias estão obscuros! É um flagelo.

Olho pro telhado, me dá um vazio

Careço de colo.

Volto ao passado, me sinto desmotivado e chateado,

Como se fosse um pesadelo

Há muito exagero, nesse mundo ilusório

Um vazio um oco, um toco, um louco.

O vazio que dorme ao meu lado só eu sinto,

Há cheiro do absinto, neste quarto, neste recinto.

Mesmo assim me sinto

Neste porto, seguro.

IV Cântico em "a"

Quando escrevo poesia

Sinto uma paz me tomar por inteira.

Minha alma flutua como pluma

 

Minha alma sorri de alegria

A vida não é bagatela, tenha cautela e vide bula

desistência é fraqueza humana.

A cor violeta me acalma e ilumina minh' alma

Faz penetrar em verde seiva

V Cântico em "i"

Falam tanto por aí

de tal lei que até agora não entendi

Hei! Acorda guri!

Vi dependurado um abacaxi

Subi e comi.

Com os olhos bebi uma taça de açaí.

Acho que tem cilada aí.

Preciso sair, não suporto mais ficar aqui.

No conto do vigário, falei que sou do FMI

Menti... Me transformei num pariri?

 

2ª Coletânea de Natal – 1 ed – São Paulo: PerSe, 2020, p. 118 – 119.

 ERA UMA VEZ UM NATAL

 

Esperávamos o natal na maior euforia

 

Havia muita união durante a semana dos preparatórios em que todos eram envolvidos

Enfeitávamos a casa para deixá-la mais graciosa e festiva

Tudo era simples e feito com amor

 

No canto da sala uma árvore de bolas e luzes dava vida ao ambiente, e a criançada se divertia

Aquele momento era muito gratificante, sentia-me ansiosa e feliz esperando o natal, junto de familiares e amigos

O Menino Jesus era a figura mais significativa do dia

— Era uma vez um natal!

 

Hoje tudo mudou, por todos os espaços e cantos do mundo

Tudo se transformou em dor e luto, em labirinto...

O mundo perdeu o brilho

Tudo ficou esquisito, enfadonho

Isolados de quem mais amamos, sem abraços, e sem calor humano, nos sentimos ilhados, amedrontados, olhos arregalados com todo o ocorrido no ano de dois mil e vinte

Sem ao menos festejar, nem confraternizar com aqueles a quem mais amamos

Tudo estranho

O natal não será mais o mesmo dos natais passados e comemorados

Só que não podemos nos esquecer de orar e nem deixar de agradecer, para o aniversariante mais importante da noite

O menino Jesus de Nazaré

E mesmo que ainda não possamos ver a cor vermelha se espalhando pelas ruas, avenidas, cidades e no mundo

Mesmo distantes uns dos outros, que sejamos fraternos, nos unindo no mesmo pensamento

Orando

E rogando com fervor, para que possamos ter um natal mais leve, sem dor

E mesmo sem cor, que possamos sorrir por estar aqui

Que sejamos solidários

É tempo de reflexão, oração e doação

— Era uma vez um natal!

Que possamos nos olhar com mais carinho, pois Jesus está por todos os caminhos

— Era uma vez um natal!

Que sejamos solidários

Não solitários...

 

Tudo mudou, tudo se transformou

Não podemos deixar de comemorar

Cada momento da vida e de mãos entrelaçadas possamos rogar por todos pelo mundo, por todos aqueles que partiram, para outros mundos, outras esferas se tornaram estrelas

O mundo precisa ser amado, respeitado e cuidado por todos

— Era uma vez um natal!

Que juntos vivemos um dia

 

E cheios de fantasias, encontros, sorrisos, abraços e alegrias tudo era uma maravilha, pura magia...

— Era uma vez um natal!

Que não falte perdão, muito mais oração e corações cheios de amor

É tempo de reflexão, mesmo que não façamos confraternizações

Que sejamos mais fraternos

De caminho e caminhada

 

— Era uma vez um natal!

Que ficará marcado no calendário da vida

E de todas as pessoas

— Era uma vez um natal!

Ficará cravado e gravado e guardado e marcado na história de toda humanidade...

 

Coletânea Cotidiano Introspectivo – Centenário de Clarice Lispector – 1. ed – São Paulo: PerSe, 2020, p. 143 – 146.

 

 MEU MUNDO

 Meu íntimo, um mundo escondido submerso em tudo aquilo que nele recolho (aos olhos do mundo)

Nele guardo medos: meus grilos

Carrego nele vestígio, nojo, pecado e desejo

As caídas me fizeram ser forte, aprendi a enxergar este meu mundo íntimo

A entender de perto minhas dores, dissabores e amores, a saber olhar a pureza da criança, o sorriso do cego

A me enxergar como um indivíduo neste mundo louco, cheio de vícios

Eu sou a brandura, eu sou uma mistura de tudo o que existe na essência humana

Eu sou um mundo à parte

Eu sou a minha melhor parte...

A luz que invade por onde me faço presente

Mesmo envolto neste meu mundo, eu existo, sou resistente, sou gente

O mundo é repleto de tudo, no meu mundo íntimo tento relutar com tudo

Nele me escondo, ninguém enxerga...

Não compreende, não entende meus medos e lutos

Nele sou um solitário, mesmo obscuro me sinto abraçado por meus braços

Vivemos num mundo de gafanhotos: de vez em quando um abocanha o outro

Mas cada caminho de espinhos, pode ser transformado em flores

Assim transformei todas as minhas dores

Neste meu mundo só eu me encontrei com ele...

Meu mundo não desabou, pois segurei

No portão acreditei na madeira

Foi dela feita uma cruz para o Homem mais forte do mundo

Não consenti ficar sem meu chão

Mesmo ninguém tendo piedade e nem compaixão das minhas durezas e má sorte

Recebi bordoadas, muitas cacetadas e algumas traições, mas não desisti de mim

Pois acreditei no meu mundo

Encarei toda a realidade da vida que é árdua

Muitas vezes dei de cara com a parede da amargura

Nunca me esqueci das minhas orações

Foram elas que me ajudaram

A seguir de cabeça erguida e de frente

Acreditei que tudo podia

Quando todos sumiram, acreditei numa nova dimensão

Mesmo que ninguém me compreenda

Aceito as diferenças estou sempre apta para novas amizades, boas conversas

Pois, não fui eu que caí, foram eles que nunca me entenderam e que me atiraram as pedras que me fortaleceram a enxergar o meu mundo interior

Aprendi a olhar a pureza e o sorriso do cego, o rosto do amigo, pois um mundo correto depende de quem não julga

Não aponta o dedo que insiste e não desiste até nos momentos difíceis

Que são como testes no nosso caminho

Por isso, sigo em frente

Sou forte igual muralha, mas ainda gosto muito de gente

Respeito

As pedras atiradas no meu caminho se fizeram de espinhos

Tirei-as de lado, mesmo me machucando

Foi através delas que me fizeram ser forte e perseverante

Cresci, aprendi a me conhecer, a me entender, até a saber reconhecer todos os meus vícios e mazelas

Nunca aceitei compaixão, nem piedade

Pois, tudo que vivi tinha que ser desta maneira:

– Uma missão, quem sabe

E quando encontrei uma saída me livrei

De todas as dores

Curei as feridas

Quando precisei de ajuda, me levantei

Encontrei dentro de mim o meu mundo e nem sabia desta força interior que estava escondida

Fui à busca de um mundo ilusório, lá fora

Que força divina que me envolvia nesta hora

Me invadia e não tinha como ser diferente

Ir à busca de algo que só em mim existia

Uma força inexplicável

Só eu posso encontrar o meu mundo e não enxergar como um muro

Foi nesta busca íntima que me encontrei

Meu mundo só vai desmoronar se eu deixar de me amar

Aprendi a refletir, a fazer escolhas

Não preciso ficar no caminho nem conviver com as pedras (mesmo sendo uma fortaleza)

Mesmo não sendo fácil, dei a volta

Levantei-me muitas vezes das caídas

E de todas as recaídas

Foram tantas subidas e descidas

Mesmo sabendo que nada é perfeito

Sobrevivi das tempestades, pois em mim nunca faltou fé, perseverança, coragem e amor

Acredito que nunca é tarde para recomeçar: um novo caminho, um projeto de vida, uma nova direção...

Pois, horizontes existem e são muitos

Enfrentei todos os obstáculos possíveis e impossíveis, passei por cima de todos

Muitas vezes me sentia sem forças, mas acreditei nesta fera que existe em mim, pois só venci com o bem das dores

Fiz uma força, uma batalha não de guerra, mas de fé para enfrentar os meus dias e nem sabia que em mim vertia tanto amor pra dividir

Foi através do cansaço do esforço do suor do rosto que fui uma vencedora que cheguei até aqui, pois acreditei e sem esmorecer tive ânimo os espinhos me fortaleceram me fizeram acreditar até naqueles que me viam pelas costas que a vida é uma grande escola um aprendizado hoje virei todas as páginas

Que me incomodaram

Aprendi com cada episódio que somos mais fortes do que imaginamos

Que sou uma vencedora esta é melhor que qualquer vitória e que ninguém carrega o peso maior que as suas costas

Que mesmo neste mundo louco e cheio de injúrias calúnias e invejas

Sou importante otimista mesmo que num mundo frio cheio de atribulações

A vida é um presente e que cada dia é tão lindo

Devemos fazer dele o nosso melhor e como se fosse o último

Tudo o que plantamos e queremos

Por isso o meu mundo é tão bonito

É todo meu mesmo não sendo egoísta

Este meu mundo íntimo não dou permissão nem vazão para barulhos e nem má intenções

Meu mundo jamais vai desmoronar

Ė forte igual um tufão!

 

 


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