domingo, 18 de abril de 2021

Leitores & Escritores - Terceiro Encontro - Interações com Gilberto Motta

Floripa. 2020.

Créditos Gilberto Motta

Gilberto Motta é administrador do grupo Oficina de textos curtos


LIVROS...

(Por Gibamotta)

Tenho arrumado os livros...

Tiro de uma prateleira sem ordem e coloco em outra -com ordem.

Sobram espaços vazios.

Reponho tudo no mesmo lugar -bagunço a ordem- e calo.

Desmonto prateleiras e chamo o homem dos móveis usados.

Vendo tudo.

Depois vou até a loja e compro tudo de volta.

Nada me faz tão ocupado: tenho arrumado os livros...

Busco espaços imaginários que esperam novos livros.

Livros e prateleiras são objetos que habitam locais de passagem.

Novamente me agito e troco tudo de lugar.

Desmonto as prateleiras e (re)invento desafios.

Brigo com a síndica pelo cartaz exposto no hall em letras garrafais:

"PROIBIDO LIVROS"

Jogo os livros no hall -ali também é um lugar de passagem.

Territórios que não existem me perseguem feito praga.

A polícia chega e em seguida os bombeiros.

A ação é fulminante e duas filas são formadas:

uma com os livros algemados entrando no camburão.

E outra, os livros sendo amontoados na grande pilha.

Penso em silêncio:

“Enfim, conseguiram prender a imaginação!".

Ligo o computador e teclo com o mundo pela internet.

Tão bom ser Deus.

Bobagem, delírio de grandeza.

Explico, meus livros estão algemados e serão queimados.

Ninguém responde.

(Não haveria mesmo explicações plausíveis).

Pela porta já aberta entra a síndica com um carrinho de tijolos.

Após a ríspida ordem (re)monto rapidamente a estante na sala.

Nela disponho os tijolos ordenadamente em exposição.

Escondo os livros no compartimento secreto.

Tenho arrumado os livros, mano, juro!

Tenho arrumado os livros…



Gilberto Motta, nasceu e cresceu em um circo-teatro dos pais onde foi ator, músico, palhacinho e cantor mirim.

Começou na rádio Piratinga de Tupã, interior de São Paulo.

 Cursou a Faculdade Cásper Líber/SP de jornalismo e trabalhou em rádio, jornais e TV em SP e SC.

 

É compositor, escritor, poeta, jornalista.












Composição musical e letra
EM MOVIMENTO"
            Gilberto Motta

Vamos remando 
Se com barcos barqueando 
Se com braços bracejando 
Desafiando o flutuar 

Vamos sonhando 
Se com versos versejando 
Se com pragas praguejando 
Contra quem não quer pulsar 

Vamos rezando 
Língua solta estradando 
Destilada na maneira 
da nossa alma sangrear 

Vamos correndo 
Tropeçando movimento 
Braço a braço monumento 
Livre piroletear 

Que giro é este? 
Corpo torto zunzonzeira 
Que trava trevas canseira 
Pernas a fricotear 

Virá o dia:  destrambelhada carreira, 
em que o passo descompasso 
mundo redemoinhoará 

Professor, mestre em mídia e conhecimento, consultor/palestrante e pesquisador cultural. Realiza cursos e oficinas literárias, TV, rádio, cinema e redes sociais.

 

Documentarista audiovisual, especializado em multimídias e comunicação digital, educação e comunicação para multiplataformas. Leitor voraz de Guimarães Rosa e apaixonado por Felline e Tim Burton no cinema.

Nos últimos anos, publicou em e-book (Amazon) a novela infanto-juvenil “A Incrível Jornada da Menina Careca”, as memórias sobre os pais “Céu de Vaga-lumes: lembranças e Andanças de Motinha e Nhá Fia e o Circo Imaginário”, além de integrar diversas coletâneas de contos, crônicas e poesias. Prepara atualmente o livro “Vamos Fazer uma Boa Tarde: Mário Motta, do picadeiro circense ao picadeiro eletrônico do Jornal Nacional”, os contos “Cotidemia: saudades do Futuro” e o romance “As Mãos
de Guevara”.

A CRÔNICA/CONTO DE SÁBADO (17/04/2021)

*(Por Gilberto Motta)

“MIOLO” (Cânticos para ninar pirados e piradas)

Cântico Primeiro

(A câmera busca em zoom/close-up o rosto da mulher de olhos verdes, fatais, enigmáticos. A mulher está sentada em frente à velha penteadeira; veste uma camisola negra e tem os seios fartos sutilmente expostos. /Corte/ Plano médio destaca o homem parado ao lado da cama; ele é baixo, cabelos fixados com brilhantina, usa camiseta branca regatas e tem ódio no olhar./Corte/ Ação/ O homem olha para ela /sobe trilha em BG, um tango de Gardel/ A câmera vai fechando lentamente em direção à vitrola solid-state enquanto descreve detalhes do quarto do motel chinfrim./Corte/ Plano médio registra o homem deixando o quarto batendo a porta com violência./Corte/Sob trilha em BG; a câmera descreve a cena em que a mulher permanece sentada, imóvel, olhando fixamente para seu rosto refletido no espelho da penteadeira./Corte/A tela escurece em fade-out e surge a inscrição: THE END)

Cântico Segundo

Era um velho prédio no centro da cidade.

Paredes descascadas.

Infiltrações profundas.

Do original sobrara apenas o portal composto por arcos barrocos.

Apesar da ação do tempo, guardara certa dignidade.

A placa em mármore europeu confirmava o passado histórico:

CINE CAIRO (O Palácio da Sétima Arte)

Inaugurado em 13 – 02 – 1952.

O homem não sabia o motivo da fixação.

O olhar preso ao portal barroco e o coração aos pulos.

A semana inteira repetira o mesmo ritual.

Era o sétimo dia.

Não sabia nada sobre filmes; gostava mesmo das novelas cubanas de Glória Magadan que via na TV.

O velho CAIRO guardara mistérios em imagens fragmentadas de clássicos do cinema em preto e branco.

Resistira à chegada da televisão programando o mesmo filme nas duas sessões da tarde; todos os dias da semana, nos últimos sete meses, sem interrupção.

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE (GIANTS)

Estrelado por Rock Hudson, Elisabeth Taylor e James Dean.

O homem tentou ler os nomes dos artistas no colorido cartaz.

Não consegui decifrar o código.

Mas, qual a razão para o mesmo ritual todos os dias?

Por que a certeza de que, nos próximos minutos, compraria ingresso e sentaria numa desconfortável poltrona da sétima fila?

Estava ali.

Estático, na encruzilhada de seu destino: o homem e sua mala.

Cântico Terceiro

A mala tinha como trinco um cinto vermelho de mulher.

Parecia maior nas mãos pequeninas do homem. Cruzou os arcos barrocos e entregou o bilhete ao porteiro.

Foi conduzido por Sam, o mais antigo lanterninha da cidade.

O Cairo transpirava sonhos e fantasias.

Sam era fanático pelo filme CASABLANCA.

A homenagem do apelido só poderia ser uma nostálgica referência ao pianista do Rick`s Bar.

A mala parecia invisível.

Nas grandes cidades, o destino trama com o anonimato certos jogos aparentemente desconexos. Escuridão.

Explode na tela o canhão de luz.

Cântico Quarto

A sessão das 14 h teve início com o jornal ATUALIDADES ESPORTIVAS: CANAL 100.

O homem detestava esportes.

Tinha pés chatos, era baixinho, atarracado e lento.

Na sala de projeção havia pouca gente.

Todas figurinhas conhecidas de Sam.

O bêbado com a camisa manchada de sangue; a vendedora de bombons de seios enormes e maquiagem carregada; o marinheiro com seu amante travesti; alguns secundaristas à procura de “um” para fumar e mais alguns pirados e piradas das ruas do centro.

Na tela, imagens narram uma história decadente. Vertigem:

(Começa o filme e o homem da sétima fila nem pisca./Corte/Zoom no rosto de James Dean, na pele de um velho magnata do petróleo marcado pelo álcool e abandonado pela mulher amada (Taylor)./Dean é o retrato da desesperança./Corte/Câmera em movimento ascendente de grua descrevendo do alto o imenso salão da mansão de Dean, onde os donos do petróleo do Texas realizam uma convenção em homenagem ao personagem de Dean./Na sétima fila, o homem suspira com sofreguidão)

Cântico Quinto

Ele vinha do interior e gastara os últimos trocados ao pagar o cubículo fedorento da pensão ao lado do CAIRO.

Sete diárias. Sete noites e sete dias.

Não tinha referências nem identidade; apenas a mala.

Soltou o cinto/trinco da mala.

Na tela amarelada pelo tempo, a emoção das imagens texanas e a humanidade caminhando, agora, num ritmo frenético.

Coração aos pulos, respiração acelerada, adrenalina total, entranhas saindo pela boca, dentes travados!

Abriu a mala.

O travesti vai ao orgasmo com o beijo de língua do amante marinheiro.

A humanidade não para e caminha e caminha e o velho CAIRO gira a luz explode em cores saturadas na tela em Cinemascope.

Cântico Sexto

Cumprindo a ronda costumeira, Sam passa em revista as fileiras acendendo e apagando sua lanterna.

Na tela, o sonho e a realidade:

(A personagem de James Dean destrói o sonho americano de viver, marcando para sempre a geração perdida dos anos 50 e as que viriam./Corte/Os toques visionários,a juventude transviada e os heróis sem causa ficariam como habitantes de um mundo fragmentado, em pedaços, feito habitantes de um território inexistente, um não-lugar./Corte/Sobe trilha em BG e a personagem de Dean, após um ataque causado pelo delírio alcoólico, rola pela longa escada de sua mansão depois de um violento, irado e lúcido discurso final./Corte/A tela escurece em fade-out e surge a inscrição: THE END)

As luzes estão acesas.

Alguém tropeça no corpo do homem e um grito desesperado invade a sala do velho cinema.

Cântico Sétimo

___ Prensou todo mundo que tava no pulgueiro? Alguém conhece o cara? –perguntou o investigador.

___ Negativo, chefe! Tenho certeza de que não é gente daqui. –respondeu Sam, com voz trêmula.

___ Ok, Sam! Ninguém mexe no corpo até o pessoal da perícia chegar. – ordenou o policial, liberando o pessoal do cine CAIRO.

Sobre a poltrona da sétima fila a mala estava aberta.

Dentro dela: uma camiseta do tipo regata, um vidro de brilhantina, uma pequena vitrola, um disco de tango de Gardel, uma camisola negra e uma revista de fotonovelas com todas as páginas arrancadas, menos a última:

“Existirá mesmo a felicidade eterna, meu querido? Talvez nem exista essa tal... Amanhã restarão apenas um lençol manchado, em desalinho; rostos amarrotados e dois corações eternamente a vagar.”

A sessão das 17h, começou com dezessete minutos de atraso.

Na manhã seguinte, o fato emplacou a manchete do jornal sensacionalista:

“Travesti alucinado corta os pulsos no Cine Cairo”

***

3 comentários:

  1. Caros amigos e amigos, gratíssimo pelo carinho e acompanhamento. Vamos lá. Aguardo vocês nesta Terça-feira (20/04/21), às 17h, para festejarmos a vida, a literatura e as artes juntos.

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  2. Vivam a vida, a literatura e a arte. Viva você, Giba.💛

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  3. Obrigado. Aguardo todos voces dia 04/02/22 na Live...colocaremos à disposição o link. Obrigado.

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