domingo, 18 de outubro de 2020

Os Sons da Vida. Odila Maria Monteiro Gentil

"Quando o apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos eu me lembro de você (Três Apitos. Noel Rosa).

Cinco horas da tarde! O som da sirene da Fábrica de Tecidos e Bordados Lapa permeia todo o bairro anunciando o fim do expediente. Três crianças, eu e meus dois irmãos, esperam ansiosamente por um assovio, que não tarda, e correm ao encontro do pai, que naquela terça feira, vem trazendo os doces da venda do ¨Gino¨, repletos de afeto e carinho.

Assim como o apito do trem da Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, trazia nossa querida tia Iluminata e também nos levava para brincarmos com nossos primos. Ah! que delícia.

Me vem a memória também a delícia que era assistir ¨televisão¨, sentados no chão do banheiro olhando a máquina de lavar Westinghouse, no compasso da roupa girando, tendo os bolinhos de chuva da mamãe para animar.

O som da bola, a algazarra da meninada brincando na rua de terra, de futebol, o estalo da corda no solo: temos que ser rápidos para não queimar, nos aquece o coração; doces recordações.

Ainda ouço o ranger das rodas da bicicleta, ganha no Natal pelo meu irmão caçula, subindo e descendo as ruas da Lapa de Baixo num frenesi de alegria desmedida. Poucas vezes vi tamanha euforia.

Quando a bola, a corda e a bicicleta foram deixadas de lado: "Dio come te amo", “Come te non ce nessuno","All my loving" e "Don´t Let Me Down" povoaram o imaginário romântico da menina e de seus amigos, que se tornaram adolescentes. As matinês do Cine Tropical em muito contribuíram para isso.

Tempo bom, interrompido pelas patas dos cavalos no asfalto, reprimindo os anseios de democracia e liberdade dos universitários dos anos 70. "Chora a pátria amada a mãe gentil, choram Marias e Clarices no solo do Brasil. Mas sei que uma dor assim pungente, não há de ser inutilmente, a esperança..." (O bêbado e a equilibrista. Aldir Blanc e João Bosco).

Concomitante o ruído do motor do fusca chegando, debaixo da minha janela, fazia meu coração acelerar de puro encantamento. O mesmo som o levou... Mas, o rugir do mar trouxe meu companheiro eterno e com ele pude ouvir e sentir a plenitude de dois seres que me foram confiados e que amarei eternamente.

O farfalhar das páginas de um livro me leva para realidades que ampliam o meu ser e me dão a certeza de que viver é experimentar cada momento, porque ele é único.

Os sons do sorriso, do pranto, da alegria e do amor são sintetizados na oração que acalma o coração e eleva a alma.

A vida de cada um de nós é emoldurada pelos sons da nossa vivência. 

2 comentários:

  1. Parabéns, Odila pela linda síntese de vida num texto denso, curto e leve a um tempo. Os sons que você enunciou têm eco nas minhas memórias de vida.

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  2. Que lindo!
    Parabéns pelo texto!
    De uma maneira leve e didática me fez voltar a um passado muito feliz.
    Viajei nas palavras...

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